O dia 9 de maio não foi como as outras sextas-feiras no décimo andar do edifício nº 3.600 da avenida Brigadeiro Faria Lima, zona sul de São Paulo. O que dominava as conversas dos funcionários não era a queda da bolsa ou a quebra de um banco. A notícia era a saída do economista gaúcho Marcelo Maisonnave da XP Investimentos, empresa que ajudara a criar, em 2001, ao lado do amigo e sócio, o carioca e também economista Guilherme Benchimol. Maisonnave não foi o primeiro a sair. Os sócios Henrique Cunha, Alexandre Marchetti e Henrique Loyola Alves haviam saído meses antes. Maisonnave continuará como acionista, mas, em até dois anos, sua participação deverá ser adquirida pelos três controladores remanescentes: o próprio Benchimol, Rossano Oltramari e Julio Ramos da Silva, que detêm 57% da companhia.

O restante está nas mãos das gestoras de private equity Actis e General Atlantic (GA). A notícia surpreendeu o mercado, mas Maisonnave começou a tratar de sua saída há mais de um ano. Nessa decisão, segundo a DINHEIRO apurou, pesaram dois fatores. Um, de ordem pessoal: seu primeiro filho nascerá em junho e ele quer dedicar mais tempo à família. O outro, empresarial: há tempos, ele e Benchimol vinham discordando sobre a estratégia da XP para manter seu crescimento acelerado. Benchimol é ambicioso e quer fazer da XP um banco virtual, nos moldes do americano Simple Bank. Essa hipótese, não por coincidência, começou a ser discutida há um ano.

A XP espera protocolar em junho, junto ao Banco Central, o pedido para virar banco. Se tudo correr como o previsto, o banco XP deve abrir suas portas virtuais em 2015. “A corretora e o banco serão empresas separadas, mas o cliente terá uma experiência única, que vai desde fundos até conta-corrente”, afirma Benchimol. “Não teremos agências, nossos custos serão menores e poderemos cobrar menos.” Agora, ele agora busca um diretor para cuidar da operação no dia a dia. A decisão de virar banco é o último passo da estratégia original da XP, uma empresa de educação financeira que virou corretora e cresceu rapidamente, atingindo receitas de R$ 400 milhões no ano passado.

Fundada em Porto Alegre, a XP (nome inspirado na expressão “a empresa XPTO”, muito usada por Benchimol) nasceu do escasso capital levantado pelo sócios. Na época, Maisonnave e Benchimol, com 25 e 24 anos, respectivamente, venderam um carro usado e rasparam suas poupanças para se tornarem agentes autônomos de investimentos. O diferencial que lhes garantiu o sucesso junto ao pequeno investidor, ainda hoje seu principal nicho de clientes, foi a educação financeira. As atividades e a abrangência foram crescendo com a contratação de mais agentes autônomos, até que, em 2007, os sócios principais compraram a corretora American Invest, que tinha patrimônio de R$ 3 milhões.

Três anos depois começou a chegar o dinheiro dos fundos de private equity e, em 2011, a XP comprou a corretora paulista Interfloat. Atualmente, o grupo tem um patrimônio líquido de R$ 500 milhões e oferece corretagem de ações, fundos, seguros e empréstimos garantidos por imóveis (o chamado home equity), entre outros serviços. Apesar do cenário adverso na bolsa, possui cerca de 100 mil clientes ativos. Com dinheiro em caixa, a XP mantém conversas adiantadas para comprar duas outras corretoras ainda neste ano. Benchimol não confirma e jura que o foco é o crescimento orgânico. “Nunca conseguimos captar tantos recursos de pessoas físicas”, diz.

Em março, diz ele, a XP captou R$ 700 milhões, um recorde para o mês. Em abril, entrou mais R$ 1 bilhão, afirma. Sua meta é ousada: captar R$ 10 bilhões de clientes em 2014. Parte desses recursos deve vir de interessados em aplicações internacionais. Há três anos, a XP montou um escritório em Nova York para assessorar estrangeiros a aplicar recursos no Brasil. No fim de março, foi a vez de fazer o caminho inverso: uma equipe recém-alocada em Miami orienta brasileiros com potencial de investimento de pelo menos US$ 100 mil a aplicarem no Exterior. “Nosso desafio é oferecer produtos globais a clientes que não são multimilionários”, diz Benchimol.

A estratégia de ter um banco virtual completa o sonhado círculo de empresas financeiras. “Com ele, a XP garante que o dinheiro fique dentro do grupo”, diz Luiz Santacreu, analista da Austin Rating. “Ela possui um exército de agentes autônomos e poderá oferecer produtos bancários, como CDB e conta-corrente.” Pelas contas do mercado, esse trunfo traz um risco adicional. A companhia tem uma operação sólida e é bem administrada, mas a dependência dos agentes autônomos requer controle estrito de custos. “Eles são competentes, vêm crescendo continuamente há mais de dez anos, mas o mercado nunca esteve tão difícil”, diz um corretor.

Uma sucessão sem solavancos será crucial para a XP. Até a quarta-feira 14, ainda não havia um sucessor para o cargo de Maisonnave, que participa do conselho de administração da Ancord, associação de classe das corretoras, e era o interlocutor com os agentes autônomos. “Ele é a face visível para o mercado e Benchimol, o mentor da operação”, diz um corretor. “Na XP, manter uma boa relação com os agentes é a alma do negócio.” A empresa realizou na sexta-feira 16 uma convenção com seus 1.500 agentes autônomos em um hotel próximo à capital paulista. Sem dúvida, Benchimol, que acaba de ganhar mais poder na XP, teve muitas perguntas para responder. Procurado, Maisonnave não quis dar entrevista e Benchimol não comentou a saída do amigo.

Colaborou: Cláudio Gradilone