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Presidente da Anfavea provoca briga histórica na indústria automobil ística ao propor imposto único para os carros

 

Foi um começo de ano promissor para a indústria automobilística brasileira. A marca cabalística de 2 milhões de unidades produzidas pode ser rompida. O nível de emprego no setor também dá sinais de crescimento. Enfim, tudo como manda o figurino ? ou melhor, quase tudo. Justamente no momento em que as empresas apresentam números vistosos, uma briga feroz explodiu na entidade que abriga os fabricantes de carros no País, a Anfavea. Talvez em momento nenhum da história, uma divergência tenha causado um racha tão profundo e barulhento como esse. O estopim foi uma idéia lançada pelo presidente da entidade, José Carlos Pinheiro Neto, de unificar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em uma alíquota entre 14% e 16%. Hoje, carros populares pagam 10%, e os demais, 25%. A medida, que coloca em xeque o futuro dos modelos 1.0 no Brasil, provocou a ira dos presidentes das montadoras, principalmente da Fiat e Volks.

Mais do que uma simplificação da estrutura tributária, a alíquota única provocaria a necessidade de um completo redesenho do mix de produção das empresas. A venda de carros populares cairia, enquanto a comercialização dos automóveis médios e de luxo subiria, mas não o suficiente para compensar a queda da outra ponta. Algumas fábricas encolheriam, outras exigiriam investimentos para ampliação. A maior prejudicada seria a Fiat, que, graças aos carros populares, cresceu sem parar nos últimos anos até assumir a liderança do setor nos últimos quatro meses. A grande beneficiada seria a General Motors, que sempre derrapou nos populares. E aí está outro punhado de pólvora para incendiar o assunto. Pinheiro Neto, vice-presidente da GM, deixa o comando da Anfavea dentro de um mês, quando termina seu mandato. Ficou a sensação de que Pinheiro Neto fez uma jogada de mestre. Aproveitou os últimos dias de sua gestão para colocar em cena uma proposta que beneficia diretamente a GM. A montadora se vira muito melhor nas linhas mais sofisticadas e obtém sucesso em vendas com um carro como o Vectra, por exemplo, que custa no mínimo R$ 35 mil.

 

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Pinheiro Neto Um mês antes de deixar o comando da entidade, põe em xeque a sobrevivência do modelo popular

 

Foi esse aspecto que dominou o encontro dos principais executivos das montadoras dias após a divulgação da proposta de Pinheiro Neto. A ampla casa onde está instalada a sede da entidade, no bairro de Indianópolis, em São Paulo, só manteve sua solidez para quem olhasse do lado de fora. Dentro, aos berros, representantes da Fiat acusavam Pinheiro Neto de dar ?uma rasteira nos demais associados?. O presidente da Fiat, Gianni Coda, entregou uma carta a Pinheiro Neto, com cópia para os demais participantes, na qual, em tom duro, afirma que a proposta não poderia ter sido feita em nome da entidade. Se Pinheiro Neto quisesse falar sobre o assunto, dizia o texto, que o fizesse em nome da GM. Em uma das acaloradas reuniões realizadas nos últimos dias, o presidente da Anfavea disse que a sugestão de tornar pública a proposta partiu de Everardo Maciel, secretário da Receita Federal. O presidente da Volks, Herbert Demel, não se conteve e atacou: ?Você não é empregado de Everardo?. Recebeu na mesma moeda o troco do presidente da Anfavea: ?Nem seu?.

Para acalmar os ânimos houve uma nova reunião, convocada por sugestão de Luc Alexandre Menard, da Renault. Lá, produziu-se uma nota assinada pelos nove presidentes das montadoras. Nela, os executivos manifestavam irrestrito apoio a Pinheiro Neto e repudiavam a divulgação pública de discussões privadas ocorridas na entidade. Pinheiro Neto, então, assumiu uma postura defensiva, e chegou a dizer que realmente fora ?uma falha? a divulgação da sugestão e houvera precipitação. Antes de encerrar a polêmica, o presidente da Volks deu a seguinte declaração: ?Nossa posição não é tanto GM, nem tão Fiat?. A turma do deixa disso foi comandada por Antônio Maciel Neto, da Ford, Pierre-Michel Fauconnier, da Peugeot, e Menard.

Na quarta-feira passada, os nove presidentes de montadoras voltaram a se reunir com Everardo Maciel para tratar da reforma tributária que vem sendo negociada há quatro anos. E que, segundo Pinheiro Neto, tem os seguintes pontos: a unificação da tributação do PIS/Cofins, o imposto sobre o frete, a alfândega virtual e, por fim, o prazo para a unificação do IPI. Segundo ele, os três primeiro pontos estão resolvidos e são méritos da sua gestão. Para a Fiat, no entanto, o último ponto não faz parte e não impede o acordo com a Receita. Mais uma vez não se fechou a negociação com o governo. Pinheiro Neto, no entanto, levantou um tema que, mais cedo ou mais tarde, viria à luz. ?Em qualquer país do mundo, existe uma única alíquota para automóveis?, diz um executivo da Volkswagen. ?O Brasil terá de seguir essa regra em algum momento, até por força dos blocos econômicos. O problema é a afobação com que querem fazer isso.?

 

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 Nova Direção: Fiat seria maior prejudicada com mudança, que Batalha, da Ford, terá de negociar

 

A julgar por um estudo preparado pelo economista José Eduardo Favareto, consultor especializado em indústria automotiva, o executivo da Volks tem razão. Se o índice unificado for adotado, os modelos populares teriam um aumento de 5,5% no preço, enquanto os modelos médios cairiam 7,2%. O que acontece é que os populares representam 70% das vendas. A unificação da alíquota, segundo o consultor, também reduziria em 4% a arrecadação de tributos. De acordo com o estudo de Favareto, obtido com exclusividade por DINHEIRO, para cada 1% de aumento no carro popular as vendas caem 2,9%. Assim, haveria uma diminuição de 18,8% nas vendas dos populares para um aumento de 5,5% nos médios e de luxo. O presidente do Sindicato das Indústrias de Autopeças (Sindipeças), Paulo Butori, faz outro alerta: os modelos mais sofisticados têm um índice de nacionalização de autopeças de 70% contra 92% nos populares. Ou seja, a redução dos populares traria desemprego em toda a cadeia produtiva.

A discussão chegou às revendas. O presidente da Federação das Revendedoras de Veículos (Fenabrave), Hugo Maia, saiu atirando para todos os lados: ?As montadoras estão falando besteira. O brasileiro só compra carro popular por que é mais barato. E, ainda assim, nos últimos cinco anos os fabricantes aumentaram o popular em 115%, contra uma taxa oficial de inflação de 46%?. Maia, que move uma ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por abuso de poder econômico contra as quatro grandes montadoras (Volks, Fiat, GM e Ford), cita episódio envolvendo a rainha Maria Antonieta durante a Revolução Francesa para resumir o que está acontecendo. Àqueles que se queixavam que não tinham dinheiro nem para comprar pão, a rainha respondeu: ?Que comprem brioches?. A situação do mercado automobilístico brasileiro é a mesma. ?O brasileiro não tem dinheiro nem para comprar o popular, como é que vai comprar o brioche??, ironiza Maia.

Os impostos sobre os carros no Brasil ? 23% no popular e 35% nos médios e de luxo ? são dos mais altos do mundo. Quando é exportado, entretanto, o automóvel brasileiro fica barato, já que não incidem tantos tributos. Por isso é que o setor, lembra Pinheiro Neto, exportou no ano passado 368.800 veículos, que renderam algo em torno de US$ 4 bilhões. ?Este ano vamos exportar pelo menos US$ 4,5 bilhões?, proclama ele. É essa conjuntura que o executivo Célio Batalha, atual vice-presidente de assuntos corporativos da Ford, vai encontrar ao assumir a presidência da Anfavea, em abril. Batalha pega a entidade em uma situação aparentemente privilegiada. Quanto a Pinheiro Neto, ele demonstra interesse em empunhar com mais vigor apenas a bandeira de sua marca, a General Motors. ?Nestes três últimos anos tive que aprender a conciliar interesses. Quero voltar a desempenhar o meu papel de executivo, em um mercado onde se compete 24 horas por dia?, afirma.