25/06/2008 - 7:00
Em 1984, quando a Michelin comprou os nove mil hectares de terra da Bridgestone Firestone, em Igrapiúna, na Bahia, a fabricante de pneus francesa pensou ter encontrado o pergaminho que a levaria à descoberta de um tesouro. A idéia era transformar as terras em um dos maiores pólos de produção de látex do País e assim atender à demanda de suas duas fábricas no Brasil. Com isso, reduziria a dependência das importações, responsáveis por dois terços do fornecimento da matéria prima para a filial brasileira. No entanto, a proliferação da praga da seringueira mudou os planos da Michelin. Importar borracha se tornou mais rentável do que continuar com a plantação. Se a gigante francesa conseguisse vencer a batalha contra a praga, estaria não só agregando um forte valor às suas terras como também criaria uma geração de seringueiras mais resistentes.
Mais: isso reduziria seus custos, pois o principal insumo estaria mais próximo das unidades fabris. “Além disso, temos certeza da procedência do produto”, explica o belga Gérard Bockiau, diretor-geral das Plantações Michelin da Bahia, há 12 anos no Brasil. Foi com base nesse raciocínio que nasceu o Ouro Verde Bahia, uma mistura de projeto de fornecimento garantido com responsabilidade social.
Em 2003, a Michelin dividiu cinco mil hectares de suas terras em 12 propriedades médias e as entregou para funcionários da empresa, que deixaram seus cargos para se dedicar ao negócio. Em troca, a Michelin se comprometeu a comprar toda a borracha por eles extraída. Cerca de três mil hectares foram destinados à criação de uma reserva ecológica. Ao mesmo tempo, a companhia, em parceria com o Cirad, Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento, da França, passou a se dedicar à criação de uma seringueira mais resistente aos fungos. A Michelin também percebeu que para crescer seria necessário investir no desenvolvimento sustentável da região de Igrapiúna, um dos municípios mais pobres do País. Daí surgiu o programa de apoio à agricultura familiar. A empresa, com o respaldo financeiro do Banco do Nordeste, se comprometeu a ajudar famílias carentes a plantar seringueira. As mudas são vendidas a preço de custo e um profissional faz visitas constantes para orientar o plantio. Toda a borracha é adquirida pela Michelin. “Como a seringueira demora sete anos para iniciar a produção de látex, incentivamos o plantio de cacau e de banana para garantir o sustento dessas famílias nesse intervalo”, explica Paulo Roberto Bomfim, gerente de comunicação da Michelin. Das Neves Lacerda, de 34 anos, foi beneficiada pelo programa. A agricultora sustenta seus dois filhos com uma renda mensal de aproximadamente R$ 50 num sítio de sete hectares sem energia elétrica. “Para a gente foi maravilhoso, porque antes não sabíamos trabalhar com a terra e agora podemos dizer que somos técnicos”, conta ela. O Banco do Nordeste oferece às famílias um financiamento de R$ 10 mil por hectare, com juros de 1% ao ano e prazo de pagamento de cinco anos, para a lavoura de cacau, e 14 anos, para a plantação de seringueira. “No início pensamos em trabalhar com 500 famílias. Até 2015, a previsão é chegar a quatro mil famílias, que terão uma renda mínima garantida de dois salários mínimos”, diz Bockiau.
O PROJETO DA MICHELIN VAI PRODUZIR
AINDA 4,5 MIL TONELADAS DE CACAU
Outra dificuldade encontrada pela Michelin foi a questão da mão-deobra. Parte dos funcionários do Projeto Ouro Verde moram dentro das terras. Mas o espaço não era suficiente para abrigar todos os empregados, cada vez mais numerosos para atender a demanda da plantação. Foi daí que a Michelin criou o projeto Nova Igrapiúna, um condomínio de casas populares, vendidas por R$ 17,9 mil e financiadas pela Caixa Econômica. “O objetivo é que a mão-de-obra esteja próxima à Michelin”, afirma Silvio Roberto Carvalho, responsável pelo Nova Igrapiúna e gerente de produção da Michelin. Quase cinco anos depois do início do projeto, “que nasceu para resolver um impasse econômico e virou um projeto de desenvolvimento sustentável”, como afirma Bockiau, a Michelin comemora os resultados. Juntos, os 12 médios proprietários têm renda anual de US$ 50 mil. Mais de 400 novos empregos foram criados. A produção de borracha na região aumentou em 50%. São mais de 1,4 mil famílias beneficiadas. E os planos são ambiciosos. Até 2015, a Michelin espera, com um investimento de US$ 25 milhões, aumentar a produção de borracha em 5 mil toneladas por ano, o equivalente a 5% da produção nacional, e 4,5 mil toneladas de cacau – 3% da produção do Brasil. A empresa visa construir mais 250 casas populares e distribuir em larga escala as novas variedades de seringueira.