28/06/2025 - 10:05
De olho nas terras raras da República Democrática do Congo, governo Donald Trump negocia tratado para encerrar conflito que já dura mais de 30 anos.República Democrática do Congo e Ruanda assinaram nesta sexta-feira (27/06) um acordo de paz mediado por Estados Unidos e Catar para encerrar um conflito no leste do Congo que se arrasta desde a década de 1990 e produziu mais de 7 milhões de refugiados. Em troca, a Casa Branca espera abrir o acesso de empresas americanas a terras raras na região e impulsionar negócios bilionários.
Pelo acordo, os dois países se comprometem a deixar de apoiar grupos guerrilheiros e a desarmar milícias, a cessar hostilidades e a respeitar a integridade territorial. O texto também prevê a retirada de tropas ruandesas do leste da RD Congo dentro de até 90 dias.
O objetivo é reduzir os riscos das cadeias de suprimento de minerais e estabelecer cadeias de valor “que conectem ambos os países, em parceria, conforme apropriado, com os EUA e investidores americanos”.
Trump alertou que imporá “penalidades muito severas, financeiras e de outra natureza” em caso de violação dos termos.
O acordo foi festejado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e o chefe da União Africana, Mahmoud Ali Youssouf. Seu real significado e beneficiários, contudo, ainda não estão totalmente claros.
Adesão de rebeldes do M23 é incógnita
A trégua vem após o M23, milícia rebelde tutsi ligada a Ruanda, avançar sobre o leste da RD Congo neste ano e se apossar de duas das maiores cidades da região e de áreas lucrativas de mineração. O acordo não menciona explicitamente esse fato, mas apela a Ruanda para que cesse “medidas de defesa”.
O país teria enviado ao menos 7 mil soldados ao leste da RD Congo para apoiar o M23 na invasão deste ano, segundo analistas e diplomatas citados pela Reuters.
Ruanda sempre negou ter apoiado diretamente o M23, mas negociou a inclusão no acordo da “neutralização” de outro grupo armado, o Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), criado por hutus ligados ao massacre de tutsis em 1994 no genocídio de Ruanda.
Especialistas da ONU acusam a Ruanda de usar o M23 para extrair e exportar minerais, algo que o país nega.
O M23 é um dentre os mais de 100 grupos armados que, estima-se, atuam no leste da RD Congo. Num sinal preocupante, membros da milícia indicaram que não estarão sujeitos ao acordo.
“Devemos reconhecer que há uma grande porção de incerteza em nossa região e além, porque muitos acordos anteriores não foram implementados”, pontuou o ministro ruandês do Exterior, Olivier Nduhungirehe.
“Um monte de direitos minerais do Congo” para os EUA
O presidente dos EUA, Donald Trump, disse a repórteres que o acordo mediado por seu governo põe fim a “uma das piores guerras que já se viu” e vai assegurar aos EUA “um monte de direitos minerais do Congo”.
A RD Congo tem enormes reservas de minerais que incluem lítio e cobalto, vitais na fabricação de carros elétricos e outras tecnologias avançadas. A China, grande rival do EUA, detém as maiores reservas desses e outros minerais.
O documento foi assinado em Washington pelos ministros do Exterior congolês, Therese Kayikwamba Wagner, e ruandense.
Wagner celebrou o tratado como uma “rara chance de virar a página”, mas frisou que “algumas feridas nunca vão desaparecer totalmente”.
Já Nduhungirehe destacou que a cooperação entre os dois países e os benefícios decorrentes do acordo vão render “dividendos tangíveis” para ambos.
Violência de gênero preocupa ONU
A crise humanitária na RD Congo já foi descrita pelas Nações Unidas como “uma das mais prolongadas, complexas e graves do planeta”.
Tom Fletcher, da agência da ONU para coordenação de assuntos humanitários (Enucah), disse à DW que, na falta de controles externos para garantir a paz no terreno, é “muito importante assegurar que todos cumpram esse processo de paz.”
“Fiquei verdadeiramente chocado com o índice de violência contra as mulheres”, afirmou Fletcher sobre o rastro deixado pelo conflito neste ano na cidade de Goma, na fronteira com Ruanda, que viveu o pior das atrocidades e dos combates. “Embora este processo de paz traga uma vida diferente para essas comunidades, precisamos fortalecer o direito internacional e proteger as pessoas. Temos que perguntar: essa paz ajudará a protegê-las contra crimes sexuais, violência sexual?”
A ONU afirma que o estupro tem sido usado histórica e sistematicamente como arma de guerra no Congo por rebeldes do M23 e outros grupos que lutam para expandir sua influência.
No entanto, o acordo de paz mediado por americanos e cataris não aborda diretamente a violência sexual, nem inclui medidas de justiça ou reparação.
Outro ponto do texto que foi alvo de críticas é a ausência de referência ao papel das forças ruandesas no conflito e a pouca atenção a se e como exatamente integrar grupos rebeldes às forças militares, uma estratégia que já deu errado no passado.
ra (AFP, Reuters, AP, DW)