No fim da manhã da quinta-feira (31), enquanto esta reportagem estava sendo finalizada, o dólar era negociado a R$ 4,742. É a menor cotação desde 16 de março de 2020, antes que o impacto da pandemia provocada pelo coronavírus desabasse sobre o mercado brasileiro. Na ponta do lápis, a apreciação do real em relação ao dólar no primeiro trimestre de 2022 está em cerca de 15%. Foi o melhor desempenho da moeda americana em relação à contraparte americana desde os 15,7% do segundo trimestre de 2009. E a segunda maior apreciação trimestral desde o início do Plano Real, em 1994.

Esse movimento cambial abrupto teve dois motivos, um esperado e o outro nem tanto. O esperado foi o processo de alta dos juros iniciado pelo Banco Central (BC) em março do ano passado, e que só deve se encerrar no início de maio. Nesse período, a taxa Selic subiu de 2% ao ano para os atuais 11,75%, e deverá aumentar mais 1 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), agendado para os dias 3 e 4 de maio. Esse aumento de juros elevou a rentabilidade das aplicações financeiras em reais e atraiu bastante capital para cá. Tanto de estrangeiros quanto de investidores brasileiros com recursos aplicados no exterior. As cotações do dólar no mercado financeiro estão sujeitas às mesmas leis que os preços dos legumes nas feiras-livres. Quando a oferta aumenta, o valor do dólar em reais cai. Esse movimento, que já era esperado quando os juros começaram a subir, foi amplificado pelas condições do mercado no início de 2022. “O real iniciou o ano mais desvalorizado em relação ao dólar que as moedas de outros países emergentes, e por isso o movimento de correção foi mais intenso”, disse o economista-chefe da Integral Trust, Daniel Miraglia.

Segundo o economista, em todo início de ano os gestores internacionais de recursos fazem um balanceamento de suas carteiras, transferindo recursos de investimentos que já renderam o que deveriam para alternativas mais promissoras. “O Brasil estava com um peso inferior ao que deveria nas carteiras globais”, afirmou.

GUERRA Segundo Miraglia, esse foi o motivo esperado. O motivo inesperado foi a invasão das tropas russas na Ucrânia, ocorrida no fim de fevereiro. O temor de que as hostilidades interrompessem o trânsito internacional das commodities e provocasse uma escassez de oferta elevou os preços. E o Brasil teoricamente se beneficiou desse movimento, pois é um exportador de matérias-primas, como minério de ferro, grãos e proteína animal, que são negociados em dólares.

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” Tudo pode ocorrer nas eleições brasileiras, e isso quer dizer um dólar mais valorizado em relação ao real ” Fernanda Consorte Economistachefe do Banco Ourinvest.

Isso fez o movimento de entrada de dólares durar mais do que deveria. “Se não houvesse a guerra, o processo de ajuste das carteiras pelos gestores internacionais teria se encerrado em fevereiro”, afirmou Miraglia. Por prosseguir, a enxurrada de dólares também alterou a estratégia dos gestores de fundos brasileiros. “A apreciação do real e a alta dos juros reduziram a demanda dos gestores de fundos por hedge cambial”, disse o fundador e presidente da Veedha Investimentos, Rodrigo Marcatti. “Isso vem reduzindo estruturalmente a demanda por dólar, o que ajuda a pressionar as cotações para baixo.”

O impacto sobre a economia será relevante. Na quarta-feira (30), a Fundação Getulio Vargas divulgou o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) de março. A variação de 1,74% nos preços, inferior ao aumento de 1,83% em fevereiro, já reflete parte do movimento cambial. Em 12 meses, a inflação acumulada é de 14,77%, muito inferior aos 31,10% nos 12 meses até março de 2021. Além de baixar diretamente a inflação, o dólar mais camarada reduz a pressão de reajuste sobre os combustíveis, pois os preços praticados pela Petrobras são – pelo menos na gestão do general Joaquim da Silva e Luna – balizados pelo mercado internacional.

Isso continua? Prever comportamentos de moedas é uma tarefa ingrata. A piada profissional é que Deus inventou a taxa de câmbio para ensinar aos economistas o significado da palavra “humildade”. Os especialistas ouvidos por DINHEIRO avaliam que a apreciação do real tem boas justificativas macroeconômicas, como o diferencial de juros, a migração de recursos e a alta dos preços das commodities. Ou seja, não é um movimento especulativo de curto prazo. Mesmo assim, nada garante um encerramento abrupto dessa tendência. Segundo a economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, a alta dos juros nos Estados Unidos, que já está contratada pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano deve reduzir a atratividade relativa do mercado brasileiro. “E em breve começará uma campanha eleitoral bastante indefinida”, disse ela. “Tudo pode ocorrer nas eleições brasileiras, isso quer dizer mais risco, e risco elevado resulta em um dólar mais apreciado.”