08/12/2021 - 12:46
A jovem policial Nyein desertou após o golpe de Estado em Mianmar e tem treinado desde então com os guerrilheiros das Forças de Defesa do Povo, milícias cidadãs que regularmente infligem golpes contra o poderoso exército birmanês.
Antes do amanhecer, a jovem vai para as colinas do estado de Kayah, no leste do país. Abre caminho pela lama e para, com uma vara de bambu nas costas como se fosse uma arma.
Como ela, cem novos recrutas – estudantes, trabalhadores ou moradores da área – foram integrados a um dos campos de treinamento das Forças de Defesa das Nacionalidades de Karenni (KNDF), antigo nome deste estado.
Depois do golpe de fevereiro contra o governo civil de Aung San Suu Kyi, o exército ordenou “atirar nas pessoas”, explica à AFP a mulher de 24 anos.
“Se, como policial, não posso mais proteger meu povo, meu dever é estar ao lado dele”, argumenta.
Mais de 1.300 civis foram mortos pelas forças de segurança birmanesas nos últimos meses, de acordo com a ONG local Associação para Assistência a Presos Políticos (AAPP). Um relator especial das Nações Unidas falou de “prováveis crimes contra a humanidade e crimes de guerra”.
Em resposta, as Forças de Defesa do Povo (PDF) realizam dezenas de operações contra a junta militar, desde tiroteios a bombas artesanais.
Quase 400 estradas e pontes foram alvejadas desde fevereiro, segundo a mídia oficial, e dezenas de antenas pertencentes a uma operadora controlada pelo exército foram destruídas.
“A velocidade com que esses grupos se mobilizaram, obtiveram armas e desenvolveram as táticas e capacidades necessárias para emboscar regularmente as forças do regime é chocante”, aponta Richard Horsey, do think tank International Crisis Group.
“Os militares parecem ter sido pegos desprevenidos e estão tendo problemas para implantar respostas táticas eficazes”, acrescenta.
Uma guerra de números foi desencadeada entre os dois lados.
A junta afirma ter perdido 75 soldados e 93 policiais entre fevereiro e outubro. O governo clandestino de unidade nacional estima que 3.000 soldados birmaneses foram mortos entre junho e novembro em combates com as PDF.
– Milhares de recrutas –
As KNDF são treinadas pelo exército Karenni, uma facção rebelde étnica que luta contra o governo central há anos.
Vários milhares de jovens já passaram pelos seus campos de formação, afirmam os responsáveis.
“O treinamento é difícil. Não consigo fazer flexões, minhas mãos doem”, diz Htet Htet, de 18 anos.
A adolescente, que sonhava em ser professora, decidiu “ajudar a revolução” depois que uma prima morreu em confrontos com o exército.
“Quero servir de assistente médica para curar nossos soldados”, explica a jovem, que espera “erradicar a ditadura”.
A missão parece quase impossível, dado o balanço desigual de forças entre as milícias e o exército birmanês, um dos mais bem equipados do Sudeste Asiático.
Nos últimos anos, os generais gastaram dezenas de milhões de dólares em equipamentos militares (helicópteros de assalto, caças, veículos blindados, mísseis terra-ar …) comprados especialmente de seus aliados chineses e russos.
As milícias KNDF dependem exclusivamente de doações de seus apoiadores.
“Não há preocupação com a força de trabalho, 80% dos jovens do nosso estado estão determinados a derrotar a junta”, diz um chefe da milícia. “Mas precisamos de armas”.
Seu território fica muito longe da fronteira com a Tailândia para obter produtos diretamente do mercado paralelo e eles têm que pagar grandes quantias a intermediários.
Além disso, o preço está disparando porque o kyat, a moeda birmanesa, está em alta.
Um rifle M-16 estava sendo vendido por US $ 2.200 e um AK-47 por US $ 2.700 para março-abril, explica um traficante de armas que fornece às KNDF. Agora o preço dobrou.
Sem meios, muitas milícias usam armas artesanais.
Mesmo assim, as KNDF com outros grupos locais afirmam ter ganhado terreno em Kayah.
Mas as KNDF e as milícias cidadãs carecem de uma visão comum para poder ameaçar seriamente o regime.
O governo de unidade nacional mantém contato regular, mas “não os dota de uma estratégia global”, explica David Mathieson, especialista no país.