A produção global de plástico aumentou de 2 milhões de toneladas em 1950 para 475 milhões de toneladas em 2022, segundo um relatório publicado na revista científica The Lancet nesta segunda-feira (04/08). A projeção dos estudiosos é que o número triplique até 2060.

Outros especialistas afirmam que isso poderia acontecer até 2050, usando cerca de um quarto do orçamento de carbono restante — ou seja, a quantidade de gases de efeito estufa que ainda pode ser emitida até que a atmosfera do planeta aqueça de forma descontrolada.

E o estudo adverte que “está claro que o mundo não conseguirá sair da crise da poluição plástica por meio da reciclagem”. Hoje, apenas cerca de 9% dos plásticos, entretanto, são reciclados.

Os novos dados foram publicados um dia antes da retomada de negociações em Genebra entre 180 países para chegar a um tratado sobre como lidar com a poluição causada pelo plástico, depois de outras tentativas já terem falhado. Interesses de governos e corporações na indústria, entretanto, desafiam o andamento das conversas.

O plástico foi inventado no fim da década de 1940. Embora alguns dos seus produtos sejam hoje essenciais, grande parte é destinada a itens descartáveis, que não apenas causam poluição plástica direta, como também têm impacto prolongado no meio ambiente e no clima. Mas especialistas enxergam poucos sinais de uma mudança na tendência de crescimento da produção.

Mais produção fora da Europa

Cerca de 99% dos plásticos são derivados de combustíveis fósseis. O refino e transformação dos combustíveis fósseis em produtos plásticos, como embalagens, têxteis, eletrônicos e materiais de construção, liberam bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Em 2019, esse processo respondeu por mais de 5% das emissões globais.

Um número crescente de países já limita produtos plásticos de uso único, com pelo menos 140 nações tendo implementado proibições ou restrições a algum tipo de produto plástico.

“O único lugar onde a capacidade está diminuindo um pouco é na União Europeia,” diz Joan Marc Simon, fundador da Europa Sem Lixo (Zero Waste Europe, em inglês), rede dedicada à redução do lixo plástico. “O resto do mundo está aumentando.”

No entanto, isso acontece porque os altos custos de produção levaram os fabricantes a produzir fora da Europa ou importar plástico de outras regiões, explica.

China e Brasil são focos

A China é a maior fabricante de plástico do mundo, respondendo por cerca de um terço da produção global.

“O que sabemos com certeza é que todos os principais produtores estão aumentando sua capacidade: EUA, China, África do Sul, Brasil, Irã, Arábia Saudita,” prossegue Simon, acrescentando que mais plástico virgem também está sendo produzido em países como Malásia, Vietnã, Tailândia, Indonésia, em grande parte por empresas chinesas.

Em 2019, um estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) apontou o Brasil como o quarto maior produtor de plástico no mundo, com 11 milhões de novas toneladas então produzidas ao ano.

Já em 2022, a produção chegou a 13,7 milhões de toneladas, uma média de 64 quilos por pessoa no ano, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

No Brasil, segundo a Abrelpe, mais de 3 milhões de toneladas de resíduos sólidos vão parar nos rios e mares todos os anos, quantidade suficiente para cobrir mais de 7 mil campos de futebol.

Risco à saúde

A poluição por plásticos é “um perigo grave, crescente e pouco reconhecido à saúde”, custando pelo menos 1,5 trilhão de dólares por ano globalmente, de acordo com o estudo na The Lancet.

Outra pesquisa deste ano, conduzida por cientistas da NYU Langone Health, nos Estados Unidos (EUA), já sugeriu que cerca de 10% das mortes por doenças cardíacas entre adultos de 55 a 64 anos naquele ano podem ser atribuídas aos ftalatos — compostos químicos usados para aumentar a durabilidade e a flexibilidade dos plásticos.

“Não há como subestimar a magnitude da crise climática e da crise do plástico”, diz Philip Landrigan, pesquisador na Universidade de Boston, dos EUA. “Ambas estão causando doenças, mortes e incapacidades em dezenas de milhares de pessoas hoje, e esses danos se tornarão mais graves nos próximos anos, à medida que o planeta continua a aquecer e a produção de plástico continua a aumentar.”

Ativistas defendem há muito tempo que a solução para o excesso de plástico é reduzir a produção desde o início. Mas, por anos, discussões públicas e negociações internacionais focaram em lidar com o lixo gerado, com iniciativas como limpeza de praias e reciclagem.

Apenas cerca de 9% dos plásticos, entretanto, são reciclados, e muitos tipos não podem ser transformados em novos produtos. Como resultado, a grande maioria acaba em aterros sanitários ou é incinerada.

Muito plástico vaza ainda para o ambiente em forma de microplásticos, encontrados nas regiões mais remotas do planeta, no ar e dentro dos corpos humanos.

“Ao contrário do papel, vidro, aço e alumínio, plásticos quimicamente complexos não podem ser facilmente reciclados”, alerta o relatório. “Agora está claro que o mundo não conseguirá sair da crise da poluição plástica por meio da reciclagem. O controle da crise dos plásticos exigirá pesquisas contínuas, aliadas a intervenções baseadas na ciência — leis, políticas, monitoramento, fiscalização, incentivos e inovações.”

Ponto de atrito

A redução da produção foi o principal ponto de divergência nas negociações globais inconclusivas sobre plástico que aconteceram em dezembro na Coreia do Sul. Embora limitar a produção levante muitas questões — incluindo se isso significaria impedir a abertura de novas fábricas —, o principal obstáculo é simplesmente alcançar consenso sobre a redução.

No ano passado, enquanto mais de 100 governos apoiavam limitar a produção, outros países bloquearam a medida. Dentre eles, Rússia, Arábia Saudita, Irã e China.

“Este pequeno grupo de países, que são predominantemente economias petroleiras, está dizendo que esta é um claro limite a não ser cruzado,” diz Christina Dixon, da ONG britânica Agência de Investigações Ambientais.

Já a advogada Giulia Carlini, do Centro para Legislação Internacional Ambiental (CIEL, na sigla em inglês), diz que um dos obstáculos para reduzir a produção é a forte influência que poderosos atores corporativos estabeleceram nas negociações internacionais.

Segundo análise do CIEL, lobistas do setor de combustíveis fósseis e químicos formaram a maior delegação nas negociações da Coreia, maior que a da União Europeia e seus Estados-membros juntos. Carlini acrescenta que, em alguns casos, esses lobistas estão inclusive registrados como parte das delegações nacionais.

ht (DW, AFP, Agência Brasil)