04/02/2009 - 8:00
TOURO EM NOVA YORK: abalado pela crise do subprime, centro financeiro deve ser mais regulado
TOURO EM NOVA YORK: abalado pela crise do subprime, centro financeiro deve ser mais regulado
O MUNDO DAS FINANÇAS nunca mais será o mesmo após a crise de 2008. Ainda é cedo para dizer que tipo de sistema financeiro global vai emergir das cinzas do subprime, o crédito de alto risco que virou a farra do boi e quebrou bancos nos Estados Unidos e na Europa, jogando o mundo desenvolvido nos braços da depressão econômica e freando o crescimento dos países emergentes. Mas uma coisa é certa: a era dos megabancos acabou e os gigantescos nãobancos, como fundos de hedge e de private equity, serão laçados e supervisionados pelos órgãos reguladores. Os tempos de risco excessivo, regulamentação ineficiente e supervisão frouxa ficarão para trás, soterrados nos escombros de Wall Street e da City de Londres. O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, já tem em mãos uma lista de recomendações radicais para enquadrar os banqueiros e gestores de investimentos de seu país e também dos outros participantes da ciranda financeira global, como o Brasil. Os conselhos que recebeu não podem mais conter a crise atual – mas a próxima, quem sabe.
As cartas estão na mesa. Seja em Washington, seja em Nova York, Londres ou Davos, a tônica do debate gira em torno da restrição das liberdades e da criatividade que marcaram os mercados financeiros nos últimos anos. Se de um lado o ambiente permissivo resultou na expansão dos mercados de capitais e irrigou durante anos as economias e as empresas com recursos abundantes, de outro o uso irresponsável dos instrumentos derivativos – como os pacotes de títulos lastreados em hipotecas imobiliárias nos EUA e os contratos cambiais tóxicos no Brasil – pelos bancos e pelas companhias culminou na explosão de mais uma bolha histórica, numa destruição de riqueza sem precedentes. É preciso tomar medidas que vão além dos pacotes de estímulo econômico e de resgate de instituições grandes demais para quebrar (que o Prêmio Nobel Paul Krugman chama ironicamente de bancos mortos-vivos, como o fictício Gothamgroup). Os alertas do megaespeculador George Soros, que há tempos defende amarras para os hedge funds, finalmente ecoam nos centros do poder mundial. “Se não houver uma reestruturação do sistema bancário, todo o dinheiro que for colocado em incentivos fiscais e monetários irá apenas para um buraco negro”, afirmou Dominique Strauss- Kahn, diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, na segunda-feira 26. Ele não é astrônomo, mas sabe que os buracos negros absorvem toda a matéria em volta deles e não deixam nada escapar de seu campo gravitacional, nem mesmo a luz. Para Strauss-Kahn, a reforma do sistema envolverá o reconhecimento total das perdas (apenas parte delas apareceu até agora) e a segregação dos ativos podres dos balanços dos bancos. Isso seria feito, de preferência, por meio de uma instituição pública criada para esse fim. É o que tem sido chamado nos EUA de Bad Bank – o Banco Ruim -, uma instituição que possa assumir os títulos que hoje minam a confiança dos bancos sobreviventes e impedem o crédito de voltar a circular nas economias. “O setor bancário vai ter de encolher. Parte dele deverá desaparecer”, diz Strauss-Kahn. Esse ajuste é muito difícil de ser feito e exigirá forte intervenção dos governos envolvidos. Mas quanto valem esses ativos podres? Ninguém sabe. É um assunto tão complicado que metade dos US$ 700 bilhões inicialmente previstos pelo programa americano de recompra de ativos com problemas, o Tarp, acabou sendo usada na capitalização direta dos bancos, por meio de compra de ações pelo governo. O Tarp, na prática, acabou numa Trap (armadilha). Os banqueiros torram o dinheiro dos outros e os contribuintes pagam a conta. No Reino Unido, a injeção de recursos públicos nos bancos, como o Royal Bank of Scotland, também foi maciça, num movimento de seminacionalização que vai mudar a cara do sistema financeiro por muitos anos.
O desafio agora é tomar medidas que façam a diferença lá na frente, depois que as economias se normalizarem e o mundo voltar, como sempre faz, a viver outro ciclo de bonança. Cedo ou tarde, os bancos voltarão totalmente para as mãos privadas e o mercado financeiro inventará novas formas de multiplicar o dinheiro e burlar as restrições em vigor. Nesse sentido, a principal proposta de reforma foi apresentada há poucos dias por um grupo de financistas liderado pelo lendário Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve Board (banco central americano) e um dos principais conselheiros econômicos de Barack Obama. Durante meses, Volcker sentou-se com os colegas no Grupo dos 30, uma entidade sem fins lucrativos sediada em Washington, para elaborar o documento “Reforma Financeira – Um Arcabouço para a Estabilidade Financeira”, com 18 sugestões. O trabalho também leva a assinatura de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil, e Tommaso Padoa- Schioppa, ex-ministro da Economia e das Finanças da Itália. E tem o endosso de outras celebridades, como o novo secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner; Lawrence Summers, também conselheiro de Obama; Paul Krugman; Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI; e Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, entre outros. Aos 81 anos, Volcker é sincero no diagnóstico: “A crise mostrou que o sistema financeiro está falido e precisa de uma ampla reforma”, afirmou.
REFORMA MILIONÁRIA
Quando se fala em reforma do sistema financeiro, banqueiros irresponsáveis torcem o nariz. Mas quando se trata do próprio escritório… bem, aí as coisas são bem diferentes. Um ano atrás, quando assumiu a Merrill Lynch, o astro John Thain (acima), que antes presidiu a Goldman Sachs e a Bolsa de Nova York, não hesitou em gastar US$ 1,2 milhão para redecorar seu ambiente de trabalho. Os móveis foram escolhidos por Michael S. Smith, o designer que fará a redecoração da Casa Branca por apenas US$ 100 mil. Thain gastou US$ 87 mil num tapete, US$ 25 mil numa mesinha, US$ 35 mil numa cômoda, US$ 1.400 numa lata de lixo, entre outras “barganhas”. Tudo bem, não fosse o prejuízo de US$ 27 bilhões no ano e o pagamento de mais de US$ 4 bilhões em bônus pouco antes da venda da Merrill Lynch ao Bank of America. Por tudo isso, ele foi demitido. “Eu errei e vou devolver o dinheiro”, promete.
São quatro recomendações principais, que se subdividem em 18 sugestões (veja a íntegra do documento, em inglês, no site www.group30.org). Todas as instituições financeiras com importância sistêmica devem ser reguladas e supervisionadas. Grandes bancos devem ter limites à formação de carteira própria de alto risco e com conflitos de interesses. A concentração bancária deve ser evitada com a adoção de limites para depósitos, conforme o país. Os países devem fiscalizar as seguradoras com atuação internacional. E controlar de forma apropriada a ação de grandes bancos de investimento e corretoras fora de holdings bancárias. Bancos centrais e órgãos reguladores devem ser fortalecidos e ter capacidade de atuar de forma coordenada internacionalmente. Padrões de governança, gestão de risco, capital e liquidez devem ser impostos aos participantes do mercado.
Medidas como essas se tornam mais necessárias ainda em mercados financeiros menos regulados, como Wall Street. “É preciso aprimorar o monitoramento dos centros financeiros avançados”, afirma o economista Paulo Nogueira Batista Junior, representante do Brasil no FMI. Ao contrário do que ocorreu em crises passadas, desta vez o País serve de modelo a ser seguido. “Se os Estados Unidos tivessem a rígida regulação financeira que o Brasil tem, a crise do subprime não teria ocorrido”, afirma o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O cerco ao touro está apenas começando.