DINHEIRO ? Como o sr. recebeu a promessa do presidente Lula em rever a carga tributária do setor em 2005?
SÉRGIO HABIB ? Qualquer alteração é bem-vinda, já que a tributação dos automóveis merece essa atenção. Mas diria que isso não vai resolver o nosso problema. Nem mesmo quando houver a aguardada queda da taxa de juros.

DINHEIRO ? Por que?
HABIB ? Vou dar um exemplo. Imagine um financiamento de R$ 15 mil em 24 meses. Com a taxa Selic de hoje, na casa de 17,5%, os juros reais são de 25% ao ano. Nesse cenário, você paga R$ 784 por mês. Suponha que a taxa caísse incríveis 4%. A prestação seria de R$ 757. Isto é: ajuda, mas não resolve. Ou alguém acha que a demanda vai aquecer com a economia de menos de R$ 30 por mês?

DINHEIRO ? Então qual é a solução?
HABIB ? A única coisa que aumentaria violentamente as vendas de carros no Brasil seria a extensão dos prazos de financiamento. Com crédito a 60 meses, como nos EUA, a prestação do meu exemplo cairia para R$ 390.

DINHEIRO ? Tão simples assim?
HABIB ? Para crescer não há milagre. Só conheço quatro ingredientes: aumento da renda per capita, diminuição no valor a ser pago ou aumento salarial acima dos reajustes dos preços, custo da prestação e acreditar no futuro.

DINHEIRO ? Acreditar no futuro?
HABIB ? Analise o cenário atual: este ano, a indústria automobilística brasileira vai crescer 12%. A renda per capita subiu? Não. Os carros caíram de preço? Pelo contrário. Foram reajustados entre 15% e 18% para uma reposição salarial média de 7%. Os juros diminuíram? Também não. Até aumentaram. Qual a conclusão? O mercado está em ascensão porque o brasileiro passou a acreditar que hoje está bom e amanhã será melhor. A venda de carros vive de expectativas. Veja o que ocorreu em 2002, quando todo mundo ficou assustado com a eleição do Lula. O mercado despencou. Em 2003, ano de consolidação do governo, temia-se mudanças bruscas. Os números se mantiveram.

DINHEIRO ? Então o sr. aprova a atual política econômica?
HABIB ? O governo tem agido corretamente. Não mudou a regra do jogo, manteve a estabilidade, agiu com serenidade e se contentou em crescer 5% ao ano de forma sustentada. Os consumidores readquiriram a confiança e o resultado apareceu nos volumes de vendas em 2004. Brasileiro é gato escaldado. Não se endivida se não sentir confiança no futuro. Nos EUA, por exemplo, o cidadão de classe média possui um ano de salário de dívidas. No Brasil, o sujeito quebra se tentar uma coisa dessas…

DINHEIRO ? Mesmo assim, a indústria não retornou aos volumes de 1997, quando vendeu 1,87 milhão de unidades.
HABIB ? Há uma questão fundamental chamada concorrência cruzada. Em 1997, uma família de classe média, composta por dois adultos e dois adolescentes, trocava seu carro com facilidade, pois não tinha as despesas extras de hoje. Se você somar quatro aparelhos celulares, dois pontos de TV a cabo e dois computadores em casa, pronto! Já dá um gasto de R$ 10 mil por ano. Como não houve aumento de renda, a despesa extra tem que ser cortada de algum lugar. Como ninguém vai economizar na comida ou no sorvete, quem paga essa conta é o automóvel zero km.

DINHEIRO ? Hoje, seu maior concorrente é o celular?
HABIB ? Não o maior, mas é duro lutar contra isso. Até porque essa tendência veio para ficar e precisamos nos acostumar. O faturamento das sete maiores montadoras, em 1997, foi de US$ 30 bilhões. Hoje, as dez principais marcas faturam US$ 22 bilhões. Aí você pega todo o sistema Telebrás da época, somando Embratel, Telerj, Telesp, Telemig, Telepar e todas as outras teles da vida. Dava US$ 17 bilhões. Hoje, o setor de telefonia arrecada US$ 25 bilhões. Vejo claramente a transferência de capital. Em países normais, digo aqueles que cresceram, a indústria automotiva manteve o faturamento e as de telefonia expandiram suas receitas. No Brasil, como a economia manteve-se estagnada, alguém teve que perder. E fomos nós.

DINHEIRO ? Não daria para criar uma sinergia?
HABIB ? Há algum tempo, fiz uma promoção com o Citroën Picasso oferecendo um celular da TIM de brinde. Foi a pior campanha de marketing da história. A venda não subiu nada. É fácil entender: quem compra um Picasso já tem celular, não quer mudar de aparelho nem de operadora. Além disso, nós dávamos um Siemens e, no Brasil, quem tem celular prefere Nokia, Motorola e LG…

DINHEIRO ? Analisando a proporção de habitantes por carro, ainda não há muito o que crescer?
HABIB ? Fala-se muito disso, do tal potencial de crescimento. Nossa média é de oito habitantes por automóvel. Mas o Brasil é a Belíndia: metade Bélgica e metade Índia. Nas cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e outras capitais, a relação é de dois habitantes por veículo. Isso é melhor que a França e está no mesmo nível de Itália e Alemanha. A estratégia é trabalhar de olho nesses dois Brasis: um, o mais abastado, só gera a renovação de carros, isto é, aqueles em que não há como aumentar a base de clientes. No outro ainda há de se começar do zero.

DINHEIRO ? Além de presidir a Citroën, o
sr. é dono de 26 concessionárias. Conhecer o ponto-de-venda ajuda?
HABIB ? As montadoras são muito pretensiosas. Qualquer uma delas, mundialmente, fatura de US$ 40 bilhões a US$ 200 bilhões. Por isso, tendem a ser imperialistas, lentas e arrogantes, o que as afasta da realidade do mercado. Um caso típico no Brasil é a insistência com carros amarelos. Não adianta, não vende! Outro exemplo é carro branco em São Paulo. A Volks faz Gol branco, a GM faz Astra branco… O pior é quando são duas portas. Aí encalham de vez. Quem programa a produção não conversa com quem distribui. E há o efeito inverso: as revendas só relatam aquilo que lhes interessa. Elas mentem para as fábricas.

DINHEIRO ? Mas e a sua relação?
HABIB ? Agora eu dou sua resposta: por atuar nas duas pontas (fábrica e revendedor), eu não caio em nenhum desses erros.

DINHEIRO ? Como isso se resolve?
HABIB ? Com o presidente se aproximando dos concessionários. Exemplo disso acontece com Ford e Volkswagen. Sem contar o temperamento dos alemães, que são muito diferentes dos brasileiros, está claro que existe, ou existiu, problemas com a rede. A Volks tinha 35% de participação em 1995 e, hoje, possui 21%. A Ford detinha 12%, caiu para 7% e hoje tem 13%. O que aconteceu? Um montão de coisas, como novos produtos, mas a Ford tem um presidente brasileiro, o Antônio Maciel Neto, que está sempre próximo à rede. É difícil quando você não se interessa e não participa intensamente. Perde-se sensibilidade e contato com a realidade. O resultado é o lançamento de carros que o brasileiro não quer comprar…

DINHEIRO ? Como Gol branco de duas portas?
HABIB ? Prefiro não entrar em detalhes.

DINHEIRO ? Falando em populares, a Citroën não perde mercado por produzir carros só acima de R$ 30 mil?
HABIB ? Sem dúvida. Mas a vantagem é que somos competitivos na faixa que nos interessa, a top do mercado. Rede estruturada para vender carros de R$ 25 mil não sabe trabalhar com modelos de R$ 50 mil. São clientes completamente diferentes. Um exemplo: nossas 60 revendas vendem 1.100 unidades do Citroën Picasso por mês. Cada loja arca com 20 veículos. Com cinco ou seis vendedores por revenda, cada um vende três ou quatro Picasso por mês, certo? Ele conhece o produto. Vive dele. A Renault possui 200 revendas, comercializa 900 Scénic e cada vendedor não chega a vender uma por mês. Ele já conhece menos o segmento. Aí chegamos na GM: 500 concessionárias, 1.000 Zafira e 5.000 vendedores: cada um vende um veículo a cada cinco meses!

DINHEIRO ? O importante é manter o foco?
HABIB ? Sim! Prova disso é que acima de R$ 50 mil no Brasil, a Toyota é líder com 34% e a Citroën possui 13%. Ou seja, quase a metade de tudo o que se vende está concentrado em duas marcas. E ambas não têm carros abaixo de R$ 30 mil. Nos próximos dez anos, a Citroën não vai atuar abaixo dessa linha. A GM, quando não vendia Celta e cia., tinha 40% dos veículos caros. Hoje tem só 11%.

DINHEIRO ? Mas o mercado cresce na base, ou seja, nos populares. Como subir as vendas onde não há nova demanda?
HABIB ? Hoje temos 1,5% do mercado total e queremos 3%. Sem os populares, nossa participação é de 5%. Queremos 10%. Acima dos R$ 50 mil, temos 13% e vamos a 20%. Vamos insistir no que sabemos fazer. Em uma analogia com companhias aéreas, não dá para ter o serviço da TAM com preço da Gol. E nós somos TAM.

DINHEIRO ? A Citroën terá que lançar novos modelos ou só vai criar versões?
HABIB ? Com as novas versões para 2005, vamos passar a 2% do mercado. Teremos o C3 XTR e o C3 1.4 com motor nacional. Para chegar a 3%, só com novos carros.

DINHEIRO ? Quais?
HABIB ? O C4, substituto do Xsara. Ele será importado em 2005, mas estou tentando viabilizar sua produção na Argentina. A conta não fechou, pois ele é sofisticado e custaria caro fazê-lo aqui.

DINHEIRO ? E a falta de novidades?
HABIB ? Todo lançamento requer planejamento com dois anos de antecedência. Em 2002, o dólar foi a R$ 4 e a eleição do Lula gerou pavor. As montadoras pararam de investir. Por isso, hoje não há nada novo e nem haverá em 2005, que reflete outro ano ruim (2003). Já em 2006, aí sim, todos voltam a apresentar carros inéditos.

DINHEIRO ? O sr. toca com naturalidade em pontos nevrálgicos do setor. Já teve problemas por ser tão franco?
HABIB ? É que sou brasileiro. Boa parte dos executivos vem do exterior. Eles não podem defender muito suas marcas, sob o risco de ganhar antipatia por aqui. E não podem falar contra os próprios interesses de suas empresas, pois prosseguem suas carreiras lá fora… Como jamais vou trabalhar na Europa, posso falar o que quiser. E falo.