15/05/2020 - 10:00
O sonho da carta branca e do controle total da economia já parece distante para Paulo Guedes, outrora o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Agora, mais do que afastado de suas metas iniciais, o ministro se vê em desalinho com uma medida que parece a salvação para manter a governabilidade do presidente da República: o acordo com o Centrão, bloco de parlamentares que pode ir contra ou a favor do governo, dependendo do que receber em troca. Além da chance de distribuição de cargos dentro da pasta da Economia para deputados, o acordo com a ala mais fisiológica do Congresso geralmente envolve um termo que Guedes abomina: liberação de recursos. Em ano eleitoral, essas verbas são cruciais para as bases dos deputados — e com as trapalhadas do presidente, esse valor tende a aumentar. Muito.
A decisão de dialogar com o Centrão já era esperada. Bolsonaro tem sentido dificuldade de aprovar pautas no Congresso e segue distante dos presidentes do Senado (Davi Alcolumbre DEM-AP) e da Câmara (Rodrigo Maia DEM-RJ). Agora, mais do que anuência nos projetos de interesse do governo, Bolsonaro precisa se blindar de um eventual pedido de impeachment (até o fechamento desta edição, havia 30 deles na mesa de Maia). Isso tem um custo. Em 2016 Michel Temer precisou vender todo seu capital político para se livrar dos escândalos do ex-assessor flagrado com uma mala contendo R$ 500 mil e do famigerado “Tem que manter isso aí, viu?”, revelado em gravação feita pelo empresário Joesley Batista. A frase era alusiva a pagamentos pelo silêncio do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, então preso no âmbito da operação Lava Jato. Cunha era, inclusive, o líder desse mesmo Centrão que hoje se mostra aberto ao diálogo para sustentar Bolsonaro.
Para Temer, o preço foi a agenda de reformas, sobretudo a da Previdência, já que o recurso que a União dispunha não era suficiente para garantir a blindagem de um processo de impedimento e aprovação de uma reforma constitucional. O mesmo deve valer no governo Bolsonaro. Ao se proteger de um recurso de deposição do cargo, muito possivelmente não haverá fôlego para aprovar, por exemplo, a reforma tributária. “A única chance de a medida sair é por força dos presidentes das Casas. Há muito interesse de Maia e Alcolumbre em discutir esse tema”, diz o cientista político Emerson Cavalcantti, conselheiro da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados. “Mas dificilmente ela sairia com um DNA do governo federal”, afirma.
Como seria esse DNA? Esse é um dos pontos que preocupa Guedes. Segundo fontes de dentro do ministério da Economia, há outro foco de incômodo, dessa vez envolvendo o líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL). Apesar de não ter se mostrado muito atuante desde o começo da gestão de Bolsonaro, ele foi o nome por trás da votação na Câmara que aprovou, por 298 a 25, a retirada de um ponto decisivo do projeto de socorro a estados e municípios: a parte que assegurava que apenas profissionais ligados ao combate ao coronavírus não teriam seus salários congelados por 18 meses como contrapartida para que os governos estaduais recebessem a ajuda federal. “Esse foi um golpe duro para Guedes”, resume Cavalcantti. Depois de longas negociações com o Senado, essa contrapartida era essencial para que o ministro conseguisse alguma base fiscal sustentável.
Quando o protagonismo do deputado Vitor Hugo veio à tona, ele não tardou em apontar o culpado: “Eu liguei para o presidente para ter certeza do movimento. Ele disse que era pra fazer”, disse. Com isso, o clima com Guedes esquentou, e o mercado chegou a especular a saída do superministro. No Planalto, o nome do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chegou a ser cogitado, mas o atual líder do BC tratou de mandar mensagens indiretas por parte de interlocutores de que, se Guedes sair, boa parte da equipe econômica sairá junto.
O medo de um efeito dominó com a saída de Guedes teria levado Bolsonaro a recuar. Em um gesto de simpatia à agenda econômica que o elegeu, o presidente garantiu na última semana que irá vetar o item que envolve a liberação do reajuste de salários para servidores de áreas como saúde, educação e segurança pública no texto aprovado pela Câmara e pelo Senado sobre o socorro aos estados e municípios.
“Eficiência econômica” Na quarta-feira 13, o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou que não há mais espaço no Orçamento para aumentar o gasto público sem comprometer o teto de gastos em 2020.“ É por isso que eu insisto no termo ‘eficiência econômica’. Temos que fazer mais com a mesma quantidade de recursos”, disse. Segundo Rodrigues, o País precisa usar recursos de programas e projetos que não são eficientes e colocar em iniciativas que dão resultado. O secretário, no entanto, não citou quais programas estão entre os considerados e eficientes e não eficientes. “Está na hora de parar de usar política pública para transferir o dinheiro dos mais pobres para os mais ricos”, afirmou. O secretário defendeu, ainda, que o Congresso retome o debate sobre reformas econômicas quando a pandemia passar, o que espera ocorrer entre junho e agosto, para que o país possa se recuperar mais rápido da crise. Entre as medidas necessárias para a retomada econômica, Rodrigues citou a reforma tributária, privatizações e concessões, o projeto de lei do saneamento básico e uma nova lei de falência, já que muitas empresas deverão fechar as portas devido à pandemia. “O ano de 2020 será um ano difícil. O ano de 2021 será melhor ou pior a depender das decisões que tomarmos no segundo semestre deste ano”, declarou.
Sabe-se que um ministro da Economia fraco desestabiliza um governo inteiro. Por isso Guedes vem tentando elucidar algumas questões econômicas para os militares. O próximo desafio será impedir a extensão do auxílio emergencial de R$ 600 que está sendo distribuído para trabalhadores desempregados, informais e autônomos atingidos pela crise do coronavírus. O auxílio deverá terminar em junho, mas o vice-presidente, general Hamilton Mourão, já defendeu a sua prorrogação. No Planalto, há um consenso de que os R$ 600 são fundamentais para impedir a queda da popularidade do presidente.
A construção de um Plano B na economia mostra um Paulo Guedes segregado no governo. Isso não significa, necessariamente, que ele vá sair. O ministro tem boas relações pessoais com Bolsonaro e acredita que sempre pode convencer o presidente de que ele, Guedes, está certo. Mas o isolamento é visível. Na semana passada, Guedes e o e o secretário de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, fizeram longa exposição aos ministros militares para tentar convencê-los de que será preciso acelerar um plano de R$ 150 bilhões em privatizações e vendas de ações federais em empresas. O número – como quase todos apresentados pela equipe econômica – não é factível, mas isso importa pouco. O fato é que o público da apresentação (entre eles, os generais Braga Neto e Luiz Ramos) não se convenceu.