A possibilidade de o governo federal precisar colocar em vigor um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) específico para pequenas e médias empresas tem aumentado a temperatura na relação entre o ministro Paulo Guedes e os agentes do mercado financeiro. Isso porque a solução para perdoar entre R$ 20 bilhões e R$ 50 bilhões em dívidas com o fisco das empresas de menor porte, e o governo precisaria encontrar uma fonte de recomposição de renda. A alternativa mais aventada seria elevar a tributação dos bancos, possivelmente por meio de uma elevação na taxa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro. A ideia, que a princípio foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, tem sido a porta de entrada para se voltar a discutir como a chuva da tributação brasileira molha de forma diferentes pessoas físicas e jurídicas que estão em classes sociais distinas.

A prática de programas de refinanciamento de dívidas fiscais para grandes empresas acontece há quase 15 anos, mas nunca houve um programa específico para os empresários de menor porte. Segundo o Sebrae, esse perfil de empregador é responsável por oferecer 72% das vagas de trabalho no Brasil e respondem por mais de 30% do PIB. Com a pandemia, mais de 50% dos pequenos e médios empresários se endividaram com a Receita Federal, cifra que chega a quase 80% quando avaliada as dívidas obtidas com bancos, parentes, amigos e empréstimos com agiotas, segundo pesquisa recente do Datafolha. E foram esses os argumentos que os parlamentares usaram para derrubar o veto do presidente Bolsonaro à implementação do Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp), instituído pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 46.

Com a derrubada do veto, Guedes precisou voltar a fazer contas. Bolsonaro, por sua vez, mudou o tom do discurso, e percebeu que a implementação poderia ser um combustível na corrida eleitoral. E já tem tratado o programa como algo posto. Mas o martelo não está totalmente batido. Dentro do mercado financeiro, o discurso é que há pontos cegos nas projeções de renúncia e mesmo com o aumento da alíquota de 20% para algo em torno 22%, é possível que mesmo assim o governo não consiga cumprir a Responsabilidade Fiscal.

Para Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, mestre em direito tributário e sócio do escritório Natal & Manssur, a possibilidade de elevar o imposto do sistema financeiro tem sido uma “válvula de escape na recomposição de arrecadação”, Para ele, essa discussão teria de ser mais aprofundada para que haja uma dimensão mais ampla dos efeitos, riscos e benefícios trazidas pela mudança.

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS O advogado tributarista Celso Santana, que integra a bancada de analistas tributários da Comissão de Finanças e Tributação do Senado, tem uma opinião contrária. Segundo ele, balanços feitos com os Refis anteriores (apenas com grandes empresas) mostraram duas coisas: primeiro que a arrecadação aumenta porque as empresas passam a quitar débitos antigos, segundo que a empresa ganha capacidade de caixa e usa mais recursos bancários, o que melhora também a atividade financeira. “Há um pensamento elitista sobre qual empresa ‘merece’ ter sua dívida perdoada. E essa não tem que ser a régua”, disse.

Catarine Lemos, doutora em tributação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-secretária do tesouro de Porto Alegre vai além. “Nunca houve isonomia em nenhum recorte econômico no Brasil. Não há equilíbrio na incidência de impostos entre ricos e pobres, entre empresas grandes e pequenas”, disse. Ela, que faz seu pós-doutorado em disparidade e desigualdade tributária, traz um dado alarmante: os impostos pagos pelos empresários pequenos pesam até sete vezes mais que entre as grandes, e até dez vezes mais que as multinacionais. “De coisas simples como a compra de computadores a processos complexos como aquisição de imóvel, a forma como o governo pega sua parte precisa ser repensada. E o caminho é a reforma tributária”, disse. Deveria ser, mas não é. Nesta semana o texto que discute A simplificação tributária brasileira completou 25 anos. E deveria ter sido discutida na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas foi adiada novamente. Porque, como diz o ditado, o pau que bate em Chico, bate em Francisco – mesmo que eles tenham tamanhos e condições diferentes.