Criado em 1936 pelo empresário de origem germânica Otto Baumgart a partir da fundação da indústria química Vedacit, o Grupo Baumgart é hoje um conglomerado com atividades no agronegócio (Fazendas Reunidas Baumgart), shoppings (Center Norte e Lar Center, em São Paulo), hotelaria e serviços, além da administração de imóveis na capital paulista. Pertencente à terceira geração da família de empreendedores, Gabriela Baumgart teve uma educação de primeiríssima linha. Graduou-se em Direito pela USP e em Administração de Empresa pela FGV. Depois, fez MBAs e especializações no exterior, incluindo formação para presidentes de empresas da Harvard Business School. Desde 2009, a executiva e mãe de um casal de filhos (hoje com 25 e 23 anos) passou a ocupar também cadeiras em conselhos de administração de diferentes companhias. Essa jornada permitiu conhecer a fundo os desafios de empresários de diversos segmentos, o que culminou com dois mandatos consecutivos na presidência do Conselho de Administração do Insti­tuto Brasileiro de Gover­nança Corporativa, que chegam ao fim nas próximas semanas. Sob sua gestão, o IBGC criou programas como o de equidade racial e o de diversidade de gênero em conselhos, com resultados expressivos, além de iniciativas como o Chapter Zero Brazil, criada pelo Fórum Econômico Mundial com o objetivo de sensibilizar empresários para a emergência climática. À DINHEIRO, Gabriela falou sobre os avanços da governança corporativa no Brasil.

DINHEIRO – O que despertou seu interesse para integrar conselhos fora da empresa da sua família?
GABRIELA BAUMGART – Esse movimento coincidiu com a sucessão da segunda para a terceira geração no nosso grupo empresarial. Eu faço parte da terceira geração e, antes de assumirmos o comando, nós procuramos o IBGC justamente para fazer o curso de formação de conselheiros. Não só eu, mas vários primos e meus irmãos. Queríamos entender essa história de governança e como a gente poderia aplicar esse conhecimento no nosso grupo. Descobri que dentro do Instituto havia uma comissão de empresas familiares. Fui convidada a ser membro dessa comissão, e depois coordenadora. Acabei aprofundando meu conhecimento em governança e me apaixonei pelo tema. Fazer parte do conselho do IBGC para mim é uma questão de legado, de poder ajudar outras famílias empresárias nessa jornada. Somos todos voluntários no Instituto.

Você foi eleita duas vezes presidente do Conselho do IBGC, com o primeiro mandato de 2020 a 2022. Como foi exercer essa função durante a pandemia?
Tivemos de virar a chave para o digital. Eu fui eleita e fiquei dois anos sem pisar no Instituto. Essa fase foi interessante porque coincidiu com a eleição do Pedro Melo para o cargo de diretor-geral do IBGC. Ele trouxe a experiência de anos na KPMG e conseguimos avançar em muitos temas que se tornaram desafiadores para as empresas. Eu tenho uma bandeira pessoal de mulheres em conselho muito forte, então eu tive oportunidade de puxar também essa agenda.

Quais conquistas você destacaria?
No Instituto a gente tem um programa para diversidade em conselhos (PDeC) que está indo para oitava turma. Já formamos mais de 200 mulheres. Quando eu cheguei no IBGC nós mulheres éramos apenas 3% das cadeiras em companhias de capital aberto. E hoje esse número está chegando perto de 15%. Acredito que a diversidade de gênero em conselhos estimula a inovação e aumenta a qualidade das decisões tomadas. Embora aí tenha uma bandeira muito pessoal minha, o que a gente fez nesses mandatos foi também fruto de uma parceria que começou em 2022 com a B3. Com a ajuda da Uni­versidade Zumbi dos Palmares, quase na mesma época, criamos um programa para conselheiros e conselheiros negras. Já fizemos a segunda turma desse programa, que eu fico muito feliz por ter começado aqui na minha gestão. Eu me lembro do José Vicente [reitor da Universidade Zumbi dos Palmare] ter me perguntado: ‘Gabi, quantos conselheiros negros nós temos nas empresas brasileiras?’ Na mesma hora eu entendi que era uma missão do IBGC mudar essa realidade tão desafiadora.

“Quando eu cheguei no IBGC nós mulheres éramos apenas 3% das cadeiras em companhias de capital aberto. E hoje esse número está chegando perto de 15%”

Em paralelo à diversidade de gênero e à igualdade racial, vocês criaram uma área de im­­pacto socioambiental. Como isso se dá na prática?
Vou falar de maneira mais ampla da questão ESG. Eu acredito no capitalismo de stakeholder. Acredito na função social e na sustentabilidade das companhias. A governança para mim é um grande guarda-chuva. Sem o G do ESG você não consegue estruturar os outros pilares. O IBGC é muito forte em trazer sistemas para os debates nas mesas dos conselhos. Fizemos um esforço para fazer do Instituto o Chapter Zero Brasil de uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial, a Climate Governance Iniciative (CGI). Esse grupo de trabalho foi criado em 2019 para mobilizar conselhos de administração a abordar a questão de mudanças climáticas nas organizações e fazer com que essa preocupação seja refletida nas estratégias de maneira transversal, com metas, métricas e prazos definidos. O que temos feito é promover conteúdos e eventos para informar, trocar ideia, compartilhar experiências das companhias para minimizar os efeitos das mudanças climáticas.

A criação dos Conselheiros pela Amazônia se insere nessa iniciativa?
O IBGC é um grande time que tem o poder de inspirar o engajamento nas questões que afligem as organizações. Lançamos toda uma trilha de cursos para que os conselheiros e os líderes tenham informação e condição de tomar as melhores decisões para os seus negócios com relação às mudanças climáticas, que é um tema superimportante. Essas reflexões precisam se materializar nas estratégias. A boa notícia é que na nossa sexta edição do Código de Melhores Práticas de Governança, publicado no ano passado, atualizamos a matriz de materialidade. É uma grande fotografia que você faz do seu negócio medindo externalidades negativas, como é o caso do clima, incluindo oportunidades, os riscos e os planos de ação para mover os ponteiros tanto nas questões socioam­bientais.

A preocupação das empresas com esse tema é legítima?
Existe de tudo. Eu acho que a gente não pode generalizar para um lado para o outro. Eu gosto muito deste questionamento: o que te move é a dor ou amor? Nesse caso, o que seria a dor? A questão regulatória? E o amor? Ter a sustentabilidade nos valores da companhia? Eu cito como exemplo a Vedacit, uma empresa do meu grupo empresarial. Ela se tornou uma B-Corp [empresa certificada por seguir os mais altos padrões de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilidade legal] há dois anos. Essa foi uma decisão de negócio alinhada a valores corporativos porque a gente acredita que empresas que se preocupam de verdade com a sustentabilidade têm mais valor.

Essa é uma visão de um grupo específico. Como o IBGC dissemina tal crença?
O papel do IBGC é materializar a preocupação com sustentabilidade como uma forma de exercer boa governança, dar informação e mostrar os caminhos.

Foi por isso que vocês participaram da COP-28? Para trazer inspiração?
O IBGC foi à COP-28 nos Emirados Árabes, em 2023, tanto para ouvir quanto para apresentar nosso case. A participação se deu por meio de dois painéis. A diretora-geral, Valéria Café, apresentou o painel “O pilar social do ESG impulsionando a indústria”. A Cris Pinho, que é membro do Conselho do IBGC, apresentou o painel “Transição no Sul Global: Construindo uma Economia Net Zero”. A gente tem de usar nossa inteligência e ver a sustentabilidade como oportunidade de geração de valor de negócio. Promover uma sociedade melhor pelas organizações.

“A governança para mim é um grande guarda-chuva. Sem o G do ESG você não consegue estruturar os outros pilares, o social e o ambiental’’

De que forma esses conteúdos chegam às empresas?
A gente criou uma rede que inclui universidades, órgãos públicos e outras organizações do terceiro setor para promover uma curadoria extremamente qualificada de conteúdo. Fazemos pesquisas, publicações e divulgamos no nosso portal do conhecimento. Lá estão mais de 3.500 conteúdos gratuitos e podcasts relacionados à governança. Eu tive oportunidade de estar com o Abilio Diniz [empresário que liderou o Grupo Pão de Açúcar e morreu em fevereiro deste ano] por duas vezes em um curso que ele dava na FGV para CEOs. Fui falar sobre o que é governança e como ela pode transformar as organizações. Nosso grande propósito é melhorar o País pela boa governança. A gente recebe alunos de mestrado e de doutorado que utilizam nossos conteúdos no âmbito acadêmico, sempre com o chapéu de governança, que é área de influência.

Você está prestes a encerrar um ciclo de quatro anos como presidente do Conselho de Administração do IBGC. O que isso mudou na sua vida?
Eu tive muitos aprendizados. Fiquei impressionada com a mobilização dos nossos associados, que são voluntários. Pra você ter ideia, toda a concepção do Código de Melhores Práticas foi orquestrada por voluntários do Instituto. A qualidade, o engajamento a profundidade das discussões que ocorrem aqui eu não vi nenhum outro lugar. E olha que eu já estudei governança até em Harvard. O que me mudou foi essa sensação de pertencer a um grupo extremamente privilegiado e qualificado. Esse chamamento se deu na minha doação para o Instituto. Nos últimos quatro anos acho que 40% do meu tempo foi dedicado à essa cadeira de presidência do conselho do IBGC. Eu conheci muito mais Brasil e outras organizações e famílias empresárias. A questão do advocacy [mobilização social para promover mudanças nas políticas públicas] do Instituto foi muito enriquecedora. Mantivemos muito diálogo com o governo, incluindo uma cartilha para os presidenciáveis em 2022 com todos os temas que nós julgávamos importantes para uma agenda de País. A gente foi lá bater na porta de todos os gabinetes dos candidatos à eleição para falar como uma organização que tem um propósito.

Quais seus próximos desafios?
No começo de março a gente fez o primeiro Fórum Nacional de Governança para a Família Empresária no IBGC. Reunimos 300 pessoas presencialmente e on-line e convidamos professores brasileiros e internacionais. Foi muito interessante. Eles lançaram o centro de governança da família empresária no Instituto e me convidaram para ser embaixadora. Então eu estou saindo da minha cadeira de presidência mas serei embaixadora.