As recentes mudanças no ministério feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem aumentar o isolamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dentro de um governo em que disputas internas alimentam incertezas sobre a política econômica e temores de uma guinada populista para reavivar a popularidade em queda.

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Apesar de manter alguns defensores entre ministros e no Congresso, Haddad tinha o então ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como seu aliado mais forte dentro do Palácio do Planalto e no entorno mais próximo a Lula, em meio a uma disputa que o coloca em lado oposto ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, de acordo com fontes com conhecimento das conversas dentro do governo.

A entrada no primeiro escalão do governo de Gleisi Hoffmann, uma ferrenha defensora do estímulo econômico impulsionado pelo Estado, coloca Haddad em uma posição quase solitária. A unidade de ideias no Planalto, somada à pressa para tentar recuperar uma popularidade em baixa de Lula antes da eleição do ano que vem, deve unir Costa, Gleisi e o novo ministro da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira, em uma posição que tende a ser contrária às políticas econômicas ortodoxas de Haddad, que prega resultados a médio prazo.

Na posição de ministra das Relações Institucionais, Gleisi será responsável pelas principais negociações do governo com o Congresso, inclusive na agenda econômica. Na sua posição de presidente do PT, a agora ministra não poupou críticas, por vezes públicas, às políticas da Fazenda. Chegou a chamar as propostas de Haddad de “austericídio” e criticou duramente o aperto monetário do Banco Central, mesmo com o ministro da Fazenda reconhecendo publicamente a necessidade de desacelerar a economia para evitar desequilíbrios.

“O problema para Haddad é que sua oposição mais forte vem de dentro de seu próprio partido, porque ninguém, inclusive o presidente, acredita que os cortes de gastos devam ser uma prioridade”, disse Ricardo Campos, diretor de investimentos da Reach Capital. “Para este governo, o que importa são os gastos para manter a economia em movimento.

Procurados, o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda se negaram a comentar.

A remodelação do primeiro escalão do Palácio do Planalto fortaleceu um círculo de auxiliares de Lula que, pública ou privadamente, se opõem à agenda de Haddad pelo que consideram um foco excessivo na austeridade fiscal. O grupo, liderado por Costa, tem também o apoio do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Depois da divulgação da pesquisa Datafolha de fevereiro que mostrou queda significativa na popularidade do governo, Lula reuniu Costa, Padilha, Sidônio, Gleisi, Silveira e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), para analisar o resultado, enquanto Haddad estava em viagem oficial no exterior.

Medidas tomadas pelo ministro da Fazenda foram apontadas como as principais causas do desgaste do governo, incluindo a taxação de pequenas importações e a crise do Pix — episódio envolvendo uma norma da Receita Federal, depois revogada, que estabeleceu novos valores para o monitoramento de movimentações financeiras por meio do Pix, que gerou uma onda de notícias falsas acusando o governo de fazer o monitoramento para cobrar impostos sobre os pagamentos por Pix.

De acordo com fontes a par da reunião, Jaques e Padilha foram os únicos que defenderam o ministro.

Haddad evitou conversar sobre o assunto com Lula depois que voltou ao Brasil. O ministro e o presidente já se reuniram algumas vezes desde então, mas fontes próximas ao ministro contaram que ele não levantou o assunto.

Trabalho a fazer

Haddad admite, em seu círculo mais próximo, que está perto de perder o cabo de guerra dentro do governo. Embora seu relacionamento com Lula continue próximo, disseram duas fontes próximas ao ministro, a avaliação é que o presidente fez uma escolha sobre o caminho a seguir e parece ter se inclinando para o grupo que se opõe ao ministro da Fazenda.

“Agora temos que ver quanto tempo Lula e Haddad serão capazes de suportar essa situação”, disse uma das fontes.

Ninguém no grupo próximo a Haddad, no entanto, vê o ministro deixando o governo, seja por iniciativa de Lula ou por decisão própria. “Ele acredita que tem um trabalho a fazer, e o fará da melhor maneira possível. Só não espere vê-lo brigando”, disse a fonte.

A queda de popularidade do governo, no entanto, já fortalece ideias contrárias ao que defende o ministro. Uma das fontes ouvidas pela Reuters relatou pressões por medidas “heterodoxas” para conter o preço dos alimentos, como a taxação das exportações — uma abordagem à qual Haddad se opõe, com apoio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

“Pode até funcionar no curto prazo, mas não se sustenta e não resolve”, disse a fonte em relação às propostas não convencionais para segurar os preços dos alimentos.

Há também quem no governo fale na necessidade de reverter a taxa de importação de pequenos volumes, a chamada “taxa das blusinhas“, que atingiu especialmente as compras pela internet feitas em sites chineses.

“Mesmo que tenha restrições ao ministro, o mercado financeiro reage mal quando ele perde. Existe mais confiança nele do que no governo em geral, e isso tem que ser preservado”, acrescentou a fonte.

André Esteves, presidente do conselho e sócio sênior do BTG Pactual, manifestou publicamente apoio ao ministro da Fazenda em um evento na terça-feira, dizendo estar “orgulhoso de ter Haddad à frente do Ministério da Fazenda” e que “cabe a nós apoiar sua batalha pelo bom senso econômico”.

No entanto, muitos no setor privado têm profundas reservas a Haddad. Embora ele enfatize que as contas públicas podem ser melhoradas, argumenta que o foco não deve ser exclusivamente esse, ressaltando que o governo central registrou no ano passado o melhor resultado primário em uma década graças ao novo arcabouço fiscal.

Excluindo os pagamentos de juros, o déficit primário de 2024 ficou em 0,38% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Banco Central — bem abaixo das estimativas iniciais do mercado e uma melhora significativa em relação ao déficit de 2,42% no ano anterior.

Entretanto, o resultado ficou aquém do superávit de 0,55% registrado em 2022, sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A equipe de Haddad argumenta que os números de Bolsonaro foram artificialmente inflados pela suspensão dos pagamentos de precatórios, que foram regularizados sob Lula.

Os críticos afirmam que Lula aumentou permanentemente gastos obrigatórios e depende de receitas maiores, mas incertas, para compensar esse impacto. Como essa compensação ainda não se concretizou, mesmo diante de um crescimento econômico forte e da arrecadação recorde de impostos em 2024, surgem dúvidas sobre quando e como o Brasil estabilizará sua crescente dívida pública.

A tensão entre os defensores de mais gastos públicos e a equipe econômica “é normal em qualquer governo”, afirmou Roberto Ellery, economista da Universidade de Brasília. “Mas há uma percepção de que, no governo atual, a equipe econômica está perdendo mais do que o normal”.

No fim do ano passado, Haddad perdeu uma batalha ao ser convencido a anunciar uma isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês junto com um pacote de cortes de gastos. Mesmo com Haddad contrariado, Lula escolheu o ministro para ser o porta-voz da notícia, que abalou fortemente os mercados.

Apesar da resignação do ministro em ter perdido as disputas internas, há quem defenda que o maior problema do governo é, na verdade, o ministro da Casa Civil. Na semana passada, Lula recebeu Jaques Wagner acompanhado do ex-ministro Walfrido Mares Guia e do ministro da Defesa, José Múcio, todos amigos de longa data do presidente.

A conversa, informal, serviu para os três defenderem Haddad e questionarem o trabalho de Costa, segundo fontes informadas sobre o encontro. Foi até mesmo sugerido ao presidente que colocasse Haddad na Casa Civil, segundo as fontes, mas Lula não está convencido de que Costa seja um problema e defendeu seu ministro da Casa Civil com veemência.