Em seu primeiro discurso após a reeleição, na noite do domingo 26, a presidenta Dilma Rousseff disse que havia recebido o recado das urnas como um desejo de mudança e de reformas. E, a pretexto de ter compreendido o que o povo quis dizer, deu a sua interpretação do que era prioritário. “Entre as reformas, a primeira e mais importante deve ser a reforma política”, afirmou diante de uma plateia de militantes petistas, que a aplaudiu muito. “Como instrumento dessa consulta, o plebiscito”, completou. Com a economia estagnada, o custo das empresas em alta e a produtividade em baixa, o setor produtivo pede, há muito tempo, uma reforma tributária.

Na impossibilidade de mexer imediatamente no volume de impostos, é urgente ao menos simplificar a forma de calcular esses pagamentos, reduzindo o custo da burocracia. Dilma, no entanto, não falou sobre isso. Reconheceu que é preciso fazer mudanças na economia, é verdade, mas a menção foi rápida, basicamente reafirmando que as ações tomadas até agora continuarão, como os incentivos setoriais, e que o governo “seguirá combatendo com rigor a inflação”. A prioridade da presidenta reeleita, que pensava estar lançando uma nova mobilização nacional ao proferir o discurso, não durou 24 horas.

Já na segunda-feira 27, o presidente do Senado, Renan Calheiros, lembrou que o foro para mudanças da legislação em vigor é o Congresso. Dilma ainda insistiu um pouco mais no plebiscito, mas logo começou a recuar, dizendo que aceitava a chancela popular às mudanças aprovadas no Congresso por meio de um referendo. Embora à primeira vista as duas palavras pareçam sinônimas, no plebiscito o projeto se inicia com uma consulta popular, enquanto no referendo o eleitor ratifica ou não um projeto aprovado no Legislativo. As chances de que uma reforma alterando significativamente as regras do jogo saia do papel são mínimas.

Difícil imaginar um Congresso formado por 28 legendas aprovando mudanças na estrutura partidária para reduzir as verbas públicas que recebem, ou acabando com a propaganda eleitoral obrigatória, bancada pelo contribuinte. Na verdade, quando fala em reforma política, na prática Dilma está tentando emplacar o projeto historicamente defendido pelo Partido dos Trabalhadores, de voto parlamentar em lista fechada definida pelos partidos, além do financiamento público.

O primeiro item reduziria ainda mais a liberdade de escolha do eleitor, já que só teria a opção de votar em partido, não em candidatos. O fim do financiamento já está a caminho, com a maioria dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal a favor de acabar com o financiamento por parte de empresas. Em menos de uma semana, Dilma já percebeu que não vai conseguir colocar a reforma defendida pelo PT como a panaceia para todos os males do Brasil. No máximo, servirá para distrair a atenção de outros temas mais urgentes.

O Congresso, que não goza de grande prestígio na opinião pública, acabou servindo de anteparo aos excessos do governo recém-reeleito. Na semana passada, a Câmara dos Deputados rejeitou um projeto de criação de conselhos populares que foi taxado de “bolivariano” por reduzir o poder do Legislativo. A rejeição foi liderada pelo PMDB, o partido do vice-presidente, Michel Temer, e deve se repetir no Senado. Ironicamente, o PMDB, tão criticado pela troca de cargos por votos no Congresso, acabou se tornando o fiel da balança da democracia ao impedir as tentativas de implantar procedimentos de democracia direta.