08/03/2025 - 12:00
O economista-chefe da Warren e ex-Secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, faz críticas ao texto aprovado da reforma tributária do consumo, e alerta que uma parte da regulamentação do texto – ainda não aprovada – pode criar um órgão “todo-poderoso”, que pode se tornar mais importante que a Receita Federal e que isso “tem risco grande de não dar certo”.
Salto se refere ao futuro Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será criado para administrar o novo tributo que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).
Até o momento, o Comitê Gestor do IBS ainda não foi oficialmente instituído nem criado, e é centro de um impasse no parlamento.
Ao Dinheiro Entrevista, o economista relata que esse é o centro da sua preocupação, tal como também gera preocupação para o setor produtivo – que diz que “no geral apoiou a reforma”.
“O ICMS, que é o principal imposto do Brasil em termos de importância e de valor, é hoje comandado pelos estados. Cada estado tem seu ICMS, arrecada, vende crédito, tem seus regimes, suas exceções, e existe o Confaz, que foi criado nos anos 1970 para resolver conflitos, decidir sobre benefícios fiscais, incentivos e tudo mais. Só que essa lógica toda vai mudar, vai acabar”, explica.
“Esse comitê vai a todos governar. Ele vai ter 54 membros, vai exarar o regulamento do novo imposto, vai arrecadar, vai partilhar o recurso com estados e municípios, vai devolver crédito para contribuinte, vai dirimir questões e autos de infração que podem ser do país todo. Ele [comitê] vai ser o todo-poderoso, na verdade. Para ser mais poderoso que algum estado da federação, basta escolher as cores da bandeira e o hino”, afirma.
Segundo o economista, esse mecanismo pode criar uma série de conflitos de interesse. Ele exemplificou uma situação hipotética em que um auto de infração seja lavrado contra uma empresa do estado de São Paulo e caia na mão de um outro estado que tenha interesses contrários.
“Por isso a lei do comitê gestor, que é a mais importante, não foi aprovada até agora. Eles [Governo e Congresso] não conseguiram resolver esse problema ainda”, observa.
Salto rebate o argumento de economistas que defendem a existência do comitê citando que mais de 170 países utilizam esse tipo de mecanismo. “O diabo mora nos detalhes, e o regime brasileiro é totalmente diferente de cada um desses 170 países que são usados para fins de comparação”, diz.
Para ele, a forma de arrecadação deve ser um dos principais problemas.
“Aqui em São Paulo, por exemplo, se você consome algo, o ICMS incidente entra na hora na conta bancária do estado no Banco do Brasil. Consumiu, entrou. Com o comitê gestor funcionando, o imposto vai lá para conta do comitê que por sua vez vai decidir, ‘olha esse pedacinho aqui pertence ao município de São Paulo, esse outro ao estado, essa outra parte vou devolver ao contribuinte porque teve geração de crédito na cadeia’. As chances de isso dar certo são próximas de zero.”
‘Reforma deu passo maior que a perna’
Durante entrevista, Salto frisou que se mantém como “um dos principais críticos” da reforma, citando também outros pontos além da criação do comitê gestor.
“Entendo que ela [reforma tributária] deu um passo maior que a perna. Ela vira de ponta cabeça o capítulo de finanças e tributação da constituição, tem uma transição muito longa, vai criar complexidades do ponto de vista do contencioso tributário, dos custos de compliance das empresas – quer dizer, o custo de cumprir com as obrigações junto aos fiscos”, observa.
Na contramão, aponta que considera que alguns pontos foram acertos, como a criação da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), que será a junção de PIS/PASEP e Cofins. Segundo o economista, essa decisão deve ter uma transição simples e o problema deve ‘ser resolvido’ em breve.
Uma brincadeira de quase R$ 1 trilhão
Para além do teor do texto, Salto defende que o custo para a aprovação da reforma foi ‘altíssimo’.
“Para dar certo, para aprovar a emenda constitucional, que é a reforma do consumo, o primeiro preço foi uma transição de 50 anos. ‘Ah mas o IBS já vai começar no curto prazo e até 2033 vai ter a transição terminada’. A promessa é essa, mas o que vai acontecer quando chegar em 2032? Como as alíquotas do ISS e do ICMS vão reduzindo 10% ao ano a partir de 2029, quando chegar em dezembro de 2023, essas alíquotas vão ser de 60% do que são atualmente. Algum gênio da raça com certeza vai propor postergar [a transição] por mais 10 anos.”
A tese é de que, dada a dependência de alguns estados de alguns benefícios e incentivos fiscais – a chamada guerra fiscal – os parlamentares devem jogar pesado com postergações e fazerem alguns temas se arrastarem ainda mais, mudando a forma como a reforma será implementada.
Além disso, cita que outro fator que levou o governo a conseguir aprovar o texto foi uma ‘brincadeira de quase R$ 1 trilhão’, citando os fundos criados – como o fundo de desenvolvimento regional, que na sua opinião “vai servir para jogar dinheiro de helicóptero para os estados”.
“Esse fundo [fundo de desenvolvimento regional] começa já em 2025, com R$ 8 bilhões, e esses aportes vão crescendo. Tem esse fundo e tem o fundo de compensação pelo fim da guerra fiscal. Quando você junta os dois, até 2043, e soma tudo que vai ser aportado pela viúva de sempre, que é a União, dá R$ 790 bilhões. Esse foi o segundo custo que foi pago para aprovar uma reforma tributária que, ao meu ver, tem um risco grande de não dar certo.”