A ideia de partida é simples: você precisa de foco para se concentrar nas responsabilidades da execução e fazer a empresa funcionar, mas se fizer isso o tempo todo, você nunca vai evoluir ou inovar.

Um grande salto em qualidade, performance, facilidade de uso ou ainda a queda acentuada no preço constitui um tipo especial e muito desejado de inovação chamado de inovação radical. É uma disrupção, que pode tornar produtos e até modelos de negócios até então vigentes de repente obsoletos. É fácil se apaixonar pela inovação radical que dá certo: Spotify, iFood, Tesla, AirBnB, GymPass, Coinbase e outras tantas fazem a cabeça, o coração e o bolso (pelo menos por um tempo) de milhões de consumidores e consumidoras.

CNI afirma que contingenciamento do FNDCT traz risco para pesquisa e inovação

O desenvolvimento da inovação radical, no entanto, é uma atividade intrinsecamente arriscada e, sob o ponto de vista econômico, não poderia ser diferente. Se você tiver certeza sobre o sucesso de um projeto inovador, é bem provável que haja alguma informação disponível que lhe permitiu chegar a essa conclusão. Se há informação disponível, outros podem ter acesso a ela também e o grande diferencial que se pretende levar ao mercado pode estar sob risco…

Mesmo na presença de diversas incertezas, não resta alternativa aos gestores que não mirar alto, no desenvolvimento de produtos e serviços que não somente atendam, mas superem as sempre móveis demandas do segmento-alvo de clientes. Nas palavras de Javier Sánchez Lamelas, ex-vice-presidente de marketing da Coca-Cola, o produto mais consumido no mundo: “Estamos passando do comunismo de marketing – no qual os profissionais de marketing eram capazes de empurrar produtos de qualidade média para os consumidores – para o darwinismo de marketing, no qual as pessoas só irão consumir o que quiserem consumir”.

Inovando estrategicamente

É notável nos últimos anos os esforços que empresas e governos têm feito para inovar. O resultado, observo, é invariavelmente um conjunto extenso de iniciativas, muitas delas tecnologicamente sofisticadas, mas quase sempre estrategicamente descoordenadas. Hoje se sabe que a construção de negócios que entreguem retornos razoavelmente estáveis ​​e acima da média demanda das empresas o desenvolvimento e a gestão de um portfólio de inovações, em contraposição a projetos de inovação geridos de forma individual. A visão integrada e coordenada importa.

Há múltiplas evidências que sugerem um padrão na distribuição do risco para projetos de inovação. Inicialmente o Google, mas também outras empresas líderes, têm alocado cerca de 70% dos seus recursos (em particular tempo gerencial, recursos financeiros e humanos) em inovações incrementais, tendo como foco a oferta mais importante da companhia — o chamado core business. Para ilustrar com o caso da Natura, por exemplo, estaríamos falando de inovações nas embalagens dos produtos correntes ou de pequenas modificações na formulação na linha existente de cosméticos, fragrâncias ou higiene pessoal.

Cerca de 20% dos esforços de inovação, seguindo o padrão das empresas vencedoras, são alocados a esforços adjacentes, que estão próximos ao núcleo da proposta de valor, mas não se confundem com ele. A Ambev, por exemplo, tem investido no desenvolvimento processos e tecnologias que visam tornar a logística da companhia cada vez mais eficiente, segura e ambientalmente responsável.

Por fim, os últimos 10% dos esforços de inovação deveriam ser devotados aos projetos disruptivos, que buscam transformar o negócio, rompendo com a trajetória tecnológica e econômica vigente. Tais projetos têm risco alto, mas trazem maior potencial de ganho e, além disso, necessariamente servem para acelerar o aprendizado da organização, testar sua resiliência e ampliar o campo de possibilidades. Nessa linha, está em desenvolvimento na Embraer o eVTOL, um veículo aéreo urbano 100% elétrico para decolagem e pouso na vertical. O conceito revoluciona a mobilidade urbana em grandes centros e pode impactar “pelo menos dois bilhões de pessoas que vivem nas maiores áreas urbanas do mundo. Isso é algo para ser implementado ainda nessa década”, nas palavras de Daniel Moczydlower, CEO da\ e head de inovação da Embraer.

É de se esperar que haja variações em torno da proporção 70/20/10, a depender da indústria, mas tome como certo: empresas competitivas se apropriam com método, métricas e incentivos de cada um dos três níveis de ambição. Em particular, desenvolvem as capacidades únicas necessárias para a inovação disruptiva. Isso significa encontrar os talentos necessários e garantir uma separação suficiente do negócio principal, criando uma estrutura de financiamento apropriada (e muito diferente) e usar métricas não econômicas para avaliar os esforços iniciais.

Faço um chamado à liderança para refletir sobre essa lógica que, apesar de simples, pode ser desafiadora para implementar em uma empresa estabelecida. Há segurança em dizer que empresas que aprendem a gerenciar suas iniciativas de inovação como um portfólio aumentam suas chances de obter resultados superiores em termos agregados e estabelecem uma plataforma sólida de crescimento orgânico. Inove com juízo e vá longe!