O rei Abdullah, da Arábia Saudita, falecido nesta sexta-feira (hora local, noite de quinta-feira no Brasil), aos 90 anos, conseguiu conter as ameaças da rede jihadista Al-Qaeda e manter o ultraconservador país petroleiro à margem das convulsões da Primavera Árabe.

Abdullah, um cauteloso reformista entre os envelhecidos herdeiros da dinastia do rei Abdul Aziz, cedeu direitos contados às mulheres e reduziu em detalhes mínimos o enorme domínio da polícia religiosa sobre a vida cotidiana de seus súditos.

No âmbito regional, apoiou inicialmente os regimes autocráticos da Tunísia e do Egito perante os levantes populares que acabaram por derrubá-los, mas ofereceu apoio material aos rebeldes da Síria e se esforçou em recompor as abaladas relações com o novo poder egípcio.

No entanto, não hesitou em enviar tropas para reprimir um movimento pró-democrático, chefiado por xiitas contra a monarquia sunita do Bahrein, um importante aliado dos sauditas no Golfo Arábico-Pérsico.

Abdullah chegou ao trono, logo após a morte de seu meio-irmão, Fahd, em 2005, embora na realidade lidasse com os assuntos cotidianos desde que Fahd sofreu um derrame cerebral em 1995.

Em 2001, após os atentados do 11 de Setembro, em Nova York e Washington, a aliança histórica do reino com os Estados Unidos sofreu um sério golpe com a notícia de que 15 dos 19 sequestradores eram sauditas.

Quando a violência dos jihadistas cresceu a ponto de ameaçar engolir o próprio reino, Abdullah ordenou uma resposta contundente e expulsou grupos ligados à Al-Qaeda para o sul do empobrecido vizinho Iêmen.

Os direitos das mulheres eram um tema espinhoso nas relações com os Estados Unidos, desde que as mulheres militares americanas enviadas ao país, após a primeira Guerra do Golfo, em 1991, assumiram a direção de seus veículos, gerando a condenação veemente dos líderes religiosos sauditas.

Abdullah ignorou o pedido para que permitisse as mulheres na direção, mas amenizou algumas restrições e, em 2011, garantiu o direito ao voto feminino e às candidaturas de mulheres às eleições municipais, previstas para 2015.

Em 2009, inaugurou uma nova universidade científica e, pela primeira vez, permitiu que homens e mulheres pudessem compartilhar os mesmos espaços. Enviou mais de 170 mil mulheres sauditas para estudar no exterior.

Quando explodiu a Primavera Árabe na Tunísia e no Egito, Abdullah ofereceu refúgio ao foragido presidente tunisiano Zine el Abidine Ben Ali. No entanto, Riad foi a primeira capital visitada pelo novo presidente egípcio, o islamita Mohamed Mursi.

O reino fechou brevemente sua embaixada no Cairo depois que a detenção de um advogado egípcio, acusado de tráfico de drogas, deflagrou protestos no Egito. A situação se normalizou pouco depois que uma enorme delegação de personalidades públicas egípcias fez uma visita de cortesia ao rei Abdullah.

O monarca também buscou caracterizar sua gestão impulsionando o diálogo entre as religiões. Para isso, criou o Centro Internacional para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural que leva seu nome. Este centro foi o resultado de reuniões com o papa Bento XVI, em 2007, e com representantes budistas, hinduístas e judeus na Espanha um ano depois.

No entanto, as relações de Abdullah com o xiita iraniano nunca conseguiram superar as dificuldades criadas pela desconfiança do reino diante o programa nuclear do Teerã.

Documentos do Departamento de Estado americano, revelados pelo WikiLeaks em 2010, descreveram Abdullah pedindo privadamente aos Estados Unidos que realizassem um ataque às instalações nucleares iranianas para “cortar a cabeça da serpente”.

Abdullah tinha fama de homem com hábitos modestos, ao contrário de outros integrantes da dinastia Al Saud, e cultivava o modo de vida tradicional dos beduínos.

Nascido em 1923, era o 13º filho do rei Abdul Aziz, embora tenha sido o único que o monarca teve com sua mãe, integrante da tribo beduína dos Shamar.

Na década de 1960, recebeu a responsabilidade de comandar a Guarda Nacional, um verdadeiro segundo exército, e manteve o cargo até entregá-lo a seu filho, Mitaab, há dois anos.

Essa função lhe permitiu construir estreitas relações com as tribos do reino que formam a Guarda, um dos pilares de sua autoridade.