No campo da gestão estratégica, poucos embates são tão duradouros e polarizados quanto o que contrapõe a Teoria dos Stakeholders, de Ed Freeman, e a doutrina da primazia do acionista, que tem entre seus signatários mais importantes Milton Friedman, vencedor de um Nobel de Economia.

Friedman tem a crença inabalável de que a única responsabilidade da empresa é para com seus proprietários. Seu argumento central é sólido: ao se concentrar nos lucros, as empresas contribuem inerentemente para o bem-estar da sociedade, e a soma dos interesses individuais de comerciantes, industriais e empreendedores faz a roda do capitalismo girar.

Ocorre que a globalização, novas tecnologias e mudanças sociais tectônicas desafiaram essa lógica, cujas bases ainda sofreram abalo com a crescente interdependência das cadeias produtivas. É nesse contexto queFreeman propõe um novo olhar, mais amplo, sobre a razão de ser das empresas. Sua teoria propõe que sejam entrelaçados os interesses de um grupo ampliado de stakeholders – funcionários, clientes, fornecedores, comunidade – à colcha da lucratividade. Essa mudança de direção muda a forma como se faz estratégia e ressignifica sucesso.

Na empresa que opera em rede, a qualidade do resultado econômico depende do acoplamento dos interesses dos participantes, para além das relações comerciais estritas. A Teoria dos Stakeholders de Freeman incentiva gestores e gestoras a considerarem os impactos mais amplos de suas decisões, visando a criação de um termo pelo qual esse articulista tem elevada estima: valor compartilhado.

Milton Friedman tem a crença inabalável de que a única responsabilidade da empresa é para com seus proprietários. Já Ed Freeman incentiva gestores a considerarem os impactos mais amplos de suas decisões visando a criação de valor

A catarinense WEG, líder mundial na fabricação de equipamentos elétricos, há muito tempo adota uma abordagem estratégica que reconcilia interesses de diversos stakeholders. Ao se envolver com as comunidades locais, investir no desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores e promover relacionamentos de longo prazo com fornecedores, a WEG fomenta um ecossistema que apoia seu crescimento e reforça sua resiliência. Um exemplo notável é o investimento da companhia em energia renovável, projeto que alinha interesses corporativos com as metas globais de sustentabilidade e alcança as preocupações das partes interessadas ambientalmente conscientes. Essa estratégia não apenas reduz os riscos associados às mudanças regulatórias, mas também abre novos mercados e joga a favor da reputação da empresa. O resultado é um ciclo virtuoso em que as práticas sustentáveis levam à inovação e à melhoria da eficiência operacional. E do lucro – assim mesmo, em outra frase.

A Embraer oferece outro exemplo. O sucesso da companhia depende da orquestração de relacionamentos mutuamente benéficos com governos, reguladores, fornecedores, colaboradores, comunidade, clientes e até mesmo concorrentes. Não há GPT que resolva essa complexidade… O próprio modelo de inovação aberta da empresa é fortalecido por uma parceria com o Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos que, diga-se de passagem, é uma instituição incrível, que promove a conexão de ideias e negócios entre mais 400 instituições e 30 universidades.

Esse é um caminho sem volta. Nosso respeito a Friedman, mas estamos com Freeman!

Luís Guedes é professor da FIA Business School