09/03/2022 - 10:22
De sanções contra oligarcas, ao fim dos “vistos dourados”, a uma lei contra crimes econômicos, a invasão russa da Ucrânia levou o governo britânico a atacar um sistema que durante décadas atraiu dinheiro russo de origem às vezes duvidosa.
“É o fim de uma era”, disse à AFP Dominic Grieve, advogado e ex-presidente de uma comissão parlamentar.
Os ativistas contra a lavagem de dinheiro muitas vezes apontam contra o papel facilitador desempenhado pelo poderoso setor financeiro britânico e seus exércitos de advogados, contadores e agentes imobiliários de Londres.
Além disso, também criticam o governo conservador por sua falta de eficiência e até uma certa hipocrisia no combate ao fluxo de dinheiro duvidoso que irriga a economia britânica.
Mas a invasão russa da Ucrânia obrigou o Executivo a reagir. Grieve denuncia que a consolidação de russos ricos também foi impulsionada a partir de 2008 pela introdução dos chamados “vistos dourados”, concedidos em troca de investimentos milionários.
– Polo de atração –
Com esses vistos, “Londres e o Reino Unido tornaram-se um polo de atração inegável”, especialmente “para empresários russos que ganharam muito dinheiro em circunstâncias muitas vezes muito duvidosas com a desintegração da antiga União Soviética”, acrescenta.
Eles viam o Reino Unido como “um bom lugar para fazer negócios (…) e em muitos casos para viver e educar seus filhos”.
A ONG Transparência Internacional identificou 1,5 bilhão de libras (1,975 bilhão de dólares, 1,8 bilhão de euros) em propriedades de russos acusados de corrupção ou ligações com o Kremlin em bairros luxuosos de Londres.
E mais de 2.000 empresas registradas no país ou em seus territórios foram usadas em casos de lavagem ou corrupção no valor de 82 bilhões de libras em dinheiro russo, segundo esta organização.
Londres anunciou em meados de fevereiro que deixará de emitir “vistos dourados”, antes de ampliar a lista de pessoas sujeitas a sanções para quinze russos próximos ao governo de Vladimir Putin.
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson afirmou na segunda-feira a necessidade de “fazer mais” nas sanções individuais.
Um projeto de lei apresentado no Parlamento visa impedir a lavagem de dinheiro por meio de imóveis, obrigando a revelar a identidade dos proprietários finais, que não poderão mais se “esconder” atrás de uma empresa.
“Era evidente” que muitos oligarcas russos no Reino Unido “tinham laços muito próximos com o Estado russo”, representando um risco de segurança para o país, disse Grieve.
– A serviço dos oligarcas –
A cidade de Londres “será duramente atingida” por sanções aos oligarcas, como congelamento de bens e proibição de viagens, “mas o Reino Unido atrai dinheiro de todo o mundo” e “isso não significa que será a falência” do setor, garante.
O setor financeiro do Reino Unido já estava sujeito a leis destinadas a controlar o fluxo de dinheiro sujo, mas a aplicação até agora tem sido fraca, em parte devido a uma grave falta de recursos nos departamentos governamentais de crimes financeiros.
“O novo pacote de medidas tem potencial para ser muito eficaz”, particularmente para lançar luz sobre “os proprietários de quase 90 mil imóveis” mantidos de forma opaca no país, defende Ben Cowdock, chefe de investigações da Transparência Internacional no Reino Unido.
Mas “essas medidas devem ter recursos adequados para serem aplicadas com eficácia”, alerta.
De acordo com uma investigação da Transparência Internacional em 2019, as fortunas investidas no país vieram em grande parte da Rússia, mas também da Ucrânia, China e Nigéria, entre outros.
“Desde o fim do Império Britânico, o Reino Unido tem servido as pessoas e empresas mais ricas do mundo”, não apenas os russos, concorda Oliver Bullough, autor de um livro sobre o assunto que será lançado esta semana.
Apesar dos recentes anúncios do governo, “não parece haver uma consciência de que não deveríamos aceitar dinheiro” de ninguém, disse ele à AFP. Sem mais recursos, considera os anúncios britânicos “muito decepcionantes”.