23/05/2025 - 13:51
Britânicos corriam risco de perder em disputa judicial as Ilhas Chagos, território ultramarino que abriga base comandada pelos EUA. Locais expulsos há 50 anos reivindicam direito de retornar.Há 50 anos, o Reino Unido separou as Ilhas Chagos de sua colônia Maurício, expulsando toda a população para dar lugar ao que se tornou uma das mais importantes bases militares dos EUA.
Após cinco décadas, nesta quinta-feira (23/05), o Reino Unido assinou um acordo para devolver a soberania do arquipélago contestado à República de Maurício, país insular localizado ao leste de Madagascar que hoje é independente.
A medida, segundo o governo britânico, garante o futuro da base militar EUA-Reino Unido, considerada vital para a segurança britânica.
O arquipélago de Chagos, no Oceano Índico, abriga uma base naval e aérea estrategicamente importante na maior de suas ilhas, Diego Garcia. Pelo acordo, o Reino Unido pagará a Maurício uma média de 101 milhões de libras por ano para alugar a base por pelo menos 99 anos.
O primeiro-ministro britânico Keir Starmer afirmou que a base, operada por forças dos EUA, é crucial para o contraterrorismo e inteligência britânicos, uma “base da nossa segurança em casa”.
“Ao concordarmos com este acordo agora estamos garantindo proteções fortes — inclusive contra influências malignas — que permitirão que a base opere no próximo século, ajudando a nos manter seguros por gerações”, disse Starmer a repórteres em um quartel militar britânico em Northwood, perto de Londres.
Segundo ele, o acordo foi necessário pois havia o risco de o Reino Unido perder a base militar sem qualquer compensação, pois Maurício provavelmente venceria uma reivindicação judicial sobre a ilha em poucas semanas, e a Grã-Bretanha não tinha “nenhuma perspectiva realista” de vencer a disputa pelo controle do território ultramarino. Com o pacto, porém, a base permanece sob comando britânico e americano.
O Ministério da Defesa britânico disse que o acordo inclui fortes proteções, incluindo uma zona de exclusão de 39 quilômetros ao redor de Diego Garcia, um veto britânico sobre o desenvolvimento das demais ilhas e a proibição de forças de segurança estrangeiras nas ilhas.
O pacto foi firmado apesar da oposição de alguns dos residentes originais das ilhas, expulsos décadas atrás para dar lugar à base.
Ex-moradores reivindicam retorno
Críticos do acordo, que ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento, argumentam que abrir mão das ilhas — que são território britânico há dois séculos — as coloca em risco de interferência de potências estrangeiras como Rússia ou China.
O porta-voz conservador James Cartlidge chamou o acordo de “rendição total e absoluta do nosso território e uma traição fundamental ao interesse nacional do Reino Unido”.
A assinatura do acordo por Starmer e o líder mauriciano Navin Ramgoolam estava marcada para uma cerimônia virtual na manhã de quinta-feira. No entanto, foi adiada por várias horas após um juiz britânico impor uma liminar de última hora bloqueando a transferência, a pedido de dois ativistas chagosianos. A liminar foi posteriormente revogada por outro juiz.
Ilhéus deslocados vêm lutando sem sucesso nos tribunais britânicos há anos pelo direito de voltar a residir nas Ilhas Chagos. Bernadette Dugasse e Bertrice Pompe, nascidas em Chagos e autoras da mais recente ação judicial, temem que se torne ainda mais difícil voltar para sua terra natal quando Maurício assumir o controle.
O acordo estabelece um fundo fiduciário para beneficiar os ex-moradores do arquipélago e afirma que “Maurício é livre para implementar um programa de reassentamento” nas ilhas, exceto em Diego Garcia. No entanto, não obriga o retorno dos residentes.
“Os direitos pelos quais estamos lutando agora, lutamos por eles há 60 anos”, disse Pompe. “Maurício não vai nos dar isso.”
Resquícios do Império Britânico
Um dos últimos resquícios do Império Britânico, as Ilhas Chagos estão sob controle do Reino Unido desde 1814. A Grã-Bretanha separou as ilhas de Maurício, uma ex-colônia britânica, em 1965, três anos antes de Maurício conquistar a independência.
A Grã-Bretanha expulsou até 2 mil pessoas das ilhas nas décadas de 60 e 70 para que os militares dos EUA pudessem construir a base em Diego Garcia, que apoiou operações americanas do Vietnã ao Iraque e ao Afeganistão. A base possui instalações para submarinos nucleares, porta-aviões e grandes aviões, e desempenha papel fundamental na coleta de inteligência americana.
Maurício contesta há muito tempo a reivindicação britânica sobre o arquipélago, e as Nações Unidas e seu principal tribunal instaram o Reino Unido a devolver Chagos a Maurício, que fica a cerca de 2,1 mil quilômetros a sudoeste das ilhas.
Em um parecer não vinculativo de 2019, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) declarou que o Reino Unido separou ilegalmente Maurício ao concordar em encerrar o domínio colonial no final dos anos 1960.
As negociações para a entrega das ilhas a Maurício começaram em 2022, sob o governo conservador anterior, e foram retomadas após a eleição do Partido Trabalhista de Starmer em julho.
A Grã-Bretanha também fez uma pausa para consultar a administração do presidente Donald Trump após a mudança de governo em Washington.
O Secretário de Estado Marco Rubio saudou o acordo, dizendo que ele “garante a operação de longo prazo, estável e eficaz” da base de Diego Garcia, “um ativo crítico para a segurança regional e global.”
Disputas em territórios ultramarinos
A Grã-Bretanha já devolveu territórios sobre os quais possuía algum nível de mandato a outros países. Entre eles, a transferência de soberania mais simbólica foi o retorno de Hong Kong à China, em 1997.
O protetorado britânico de Aden, que hoje é parte do Iêmen, foi devolvido ao então Iêmen do Sul, em 1967, marcando o fim da presença colonial britânica na Península Arábica.
Hoje, o Reino Unido possui 14 territórios ultramarinos, que possuem diferentes graus de autonomia, mas respondem à Família Real britânica. Ao menos três deles possuem algum nível de reivindicação pela separação. Além de Chagos, a população de Gibraltar, no sul da Espanha, rejeitou a soberania espanhola em dois referendos – o mais recente em 2022.
No Atlântico Sul, as ilhas Malvinas são reivindicadas pela Argentina desde sua independência, em 1816. Os argentinos afirmam que herdaram o arquipélago da Espanha, que já disputava o território com os britânicos à época. Em 1833, o Reino Unido ocupou militarmente o lugar, nomeado em inglês de Falklands.
Em 1982, a Argentina sai derrotada da Guerra das Malvinas e, em 2013, um referendo selou o domínio britânico após 99,8% dos habitantes votarem em um referendo por continuarem vinculados ao Reino Unido.
gq/bl (afp, dpa)