11/08/2019 - 8:09
As relações entre Brasil e Estados Unidos devem ser estratégicas e complementares, com benefícios para as áreas de comércio, tecnologia, segurança e defesa, sem alinhamentos ou subordinação, afirmou ao Estado o cientista político Hussein Kalout, pesquisador de Harvard e ex-secretário de assuntos estratégicos da Presidência da República . “O Brasil não deve se permitir ser uma mera peça na engrenagem da política exterior de outros países”, disse.
Nesta entrevista, Kalout também fala sobre a possibilidade de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, assumir o posto de embaixador em Washington e da política externa do governo brasileiro. A seguir os principais trechos:
INDICAÇÃO DE EDUARDO COMO EMBAIXADOR
Os questionamentos postos à baila nos meios político e diplomático consistem em dois aspectos: dúvidas quanto à capacidade do indicado de exercer uma complexa função de Estado e o aspecto legal e moral da indicação. Não há decisão judicial que limite a prerrogativa do presidente nesse sentido. Portanto, é legal. Pode, talvez, ser vista como amoral. A diplomacia tem uma gramática própria e não se aprende o seu ofício de um dia para outro. Mas, se o futuro embaixador tiver disciplina para aprender, temperança para operar o complexo mundo de Washington e disposição para ouvir os seus auxiliares, acredito que os riscos se minimizam.
AS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE BRASIL E EUA
É fundamental alçar as relações bilaterais Brasil e Estados Unidos ao patamar de uma parceria estratégica e elevar a complementaridade entre os dois países em matéria comercial, tecnológica, securitária e de defesa. Uma relação produtiva com os Estados Unidos não requer alinhamentos de lado a lado e tampouco subordinação de interesses. O que um país da latitude do Brasil não deve se permitir é ser uma mera peça na engrenagem da política exterior de outros países.
ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO COM OS EUA
Isso dependerá de algumas variáveis. Donald Trump precisa de um mandato negociador do Senado americano para iniciar quaisquer tratativas. Não sei se há tempo suficiente antes da eleição. Do lado do Brasil, não podemos negociar acordos comerciais à margem do Mercosul e de forma unilateral. Precisamos convencer os demais parceiros. Se um acordo impulsionar a nossa produtividade, competitividade e promover um salto tecnológico, então é importante.
ELEIÇÃO PRESIDENCIAL NOS EUA EM NOVEMBRO
É importante não escolher lado na eleição dos Estados Unidos. Vai ser preciso dialogar com os dois espectros da política americana e construir pontes com os mais variados setores. No longo prazo, temos interesses a defender e eles são diversificados.
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Sem o predomínio de um firme projeto nacional e de uma calibrada estratégia de Estado na modulação da política externa, o Brasil continuará sem avançar em variados tabuleiros e seguirá desperdiçando seu imenso potencial de se tornar mais próspero e desenvolvido.
PAPEL DO BRASIL NO MUNDO
Nossa estratégia precisa se organizar sobre o conjunto de elementos objetivos que delimitam a latitude e a influência de uma nação no mundo, como o seu poder econômico-comercial, político, militar, de inteligência e científico-tecnológico. Sem esses elementos bem alinhados entre si, será difícil elevar ao máximo os interesses do Estado brasileiro no mundo. No caso brasileiro, esses elementos de poder encontram-se assimétricos entre si. O nosso poder nas esferas militar, científico-tecnológico ou de inteligência não é correspondente ao de um país que está entre as dez maiores potências econômicas do mundo.
AMÉRICA DO SUL
Nossa política exterior deve se concentrar na consecução de um projeto estratégico para a América do Sul e focar na materialização dos interesses econômico-comerciais do País nos principais mercados e cadeias de valor. Além disso, deve desenvolver uma política específica para lidar com as grandes potências – nisso se incluem EUA e China – e impulsionar a capacidade de nosso desenvolvimento científico e tecnológico. É importante ter clareza que liderança tem custo e gera obrigações. Antes de se lançar em qualquer arena, se não projetarmos o nosso poder no nosso entorno regional, não iremos liderar nada em lugar algum.
EQUILÍBRIO ENTRE MEIO AMBIENTE E AGRONEGÓCIO
O Brasil é uma potência ambiental e agrícola. Temos sido bem sucedidos em conjugar esses instrumentos, ganhando mercados e liderando discussões da agenda internacional sobre o desenvolvimento sustentável. O Brasil se tornou um ator incontornável em ambos os temas. A quebra desse equilíbrio só tende a prejudicar os nossos interesses. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.