O ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), votou nesta quarta-feira, 28, para que os militares envolvidos no atentado do Riocentro sejam processados pela Justiça. A avaliação de Schietti é de que o caso envolve possível crime contra a humanidade, portanto, imprescritível.

O julgamento, no entanto, foi suspenso após o ministro Reynaldo Soares da Fonseca pedir vista (mais tempo de análise). Por ora, não há previsão de quando o processo será retomado no STJ. Um dos mais emblemáticos da Ditadura Militar, o caso Riocentro é analisado pela Terceira Seção do Superior Tribunal, num recurso do Ministério Público Federal (MPF), que recorreu de decisão da segunda instância que entendeu que os crimes estariam prescritos. Com isso, a ação penal que tramitava na primeira instância foi trancada.

Em longo voto, Schietti destacou o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre crimes contra a humanidade, observando que o Brasil estaria atrelado a ele por ser signatário de tratados. O ministro do STJ lembrou também que o atentado ocorreu em 1981, dois anos após a sanção da Lei da Anistia, que resultou no perdão dos crimes políticos cometidos no País entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

“Não estamos deixando de aplicar Lei da Anistia. Ela é de 79; ela aplica-se a fatos anteriores. Todo aquele questionamento, debates que se sucederam, nesse caso não parecem ter o mesmo relevo”, disse. O caso conhecido como Riocentro consistiu na explosão de duas bombas de fabricação artesanal na noite de 30 de abril de 1981, durante um show de música popular brasileira num centro de convenções, para comemorar o Dia do Trabalho.

Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, pela forma como foi elaborado e pelo público de cerca de 20 mil espectadores presente ao evento, o caso foi planejado para ser, “possivelmente, o maior atentado terrorista da história do Brasil”, com a finalidade de paralisar o processo de abertura democrática e “forjar um ato terrorista, que seria atribuído à esquerda armada”.

No voto, Schietti afirmou também que, por meio da leitura de trechos da denúncia ofertada na primeira instância, da decisão que a recebeu e do relatório da Comissão Nacional da Verdade, é possível observar que o ocorrido fez parte de uma “série de ataques orquestrados” de agentes do Estado contra “a dita ameaça comunista personificada pelos opositores do regime”. Ele lembrou ainda que foram registrados atentados também contra jornalistas e entidades e demais casos que revelariam um “grupo organizado para a prática de atos contra a população civil”, disse.

Resultado

O plano dos militares na noite do dia 30 de abril de 1981 não saiu como esperado. Uma das bombas explodiu antes da hora, feriu gravemente o capitão Wilson Luís Machado e matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que carregava o artefato no colo. Machado e Rosário pertenciam ao Departamento de Operações Internas-Centro de Operações para a Defesa Interna (DOI-Codi). Uma segunda bomba caiu numa estação de fornecimento de energia elétrica, mas o show não foi interrompido.

Representante do MPF na Corte, o subprocurador-geral da República afirmou que o caso foi algo “estarrecedor”, e foi necessário, na visão dele, que o processo voltasse a tramitar. “Mais grave que a impunidade por não haver leis é a impunidade havendo leis. Há leis que punem esses atos. Eles estão acobertados pelo manto da imprescritibilidade”, disse.

Já o advogado que falou em nomes de processados destacou que a Justiça já teria reconhecido a extinção da punibilidade dos fatos relacionados ao Riocentro. “É uma iniciativa de escantear decisão sobre extinção de punibilidade. Não se reabre decisão nesse sentido”, afirmou.

Como mostrou reportagem do Estadão nesta segunda-feira, a expectativa já era de que o relator defenderia a tese de que os crimes não são imprescritíveis – que os militares podem ser julgados. Por outro lado, também já era esperado que o julgamento poderia ser interrompido por um pedido de vista.