05/02/2019 - 20:30
Relatores da ONU para os direitos humanos criticam a decisão do governo do Estado de São Paulo de vetar a criação de um mecanismo de monitoramento nas prisões para impedir práticas de tortura. Em comunicado emitido nesta terça-feira, 5, em Genebra, os relatores se dizem “profundamente preocupados” e pedem que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo reverta o veto. A gestão Doria afirma que o projeto era inconstitucional.
No dia 17 de janeiro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vetou totalmente projeto de lei aprovado em 2018 que criava um órgão permanente de prevenção e combate à tortura, com visitas periódicas às cadeias de São Paulo. O texto havia sido apresentado em 2014 pelo deputado Adriano Diogo (PT), que não foi reeleito. Mesmo sem a presença do autor do projeto, entretanto, a proposta foi votada e aprovada pelos deputados estaduais em dezembro.
A lei criava dois dispositivos: o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de São Paulo (CEPCT) e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de São Paulo (MEPCT). Eles funcionariam na própria Assembleia Legislativa, vinculado ao poder Legislativo, sem controle direto do governador ou do poder Executivo. Entretanto, a previsão era que o Comitê tivesse, entre seus 19 membros, secretários de Estado, que iriam acompanhar as ações do órgão e teriam ciência de qualquer violação encontrada.
A ideia era que as ações tivessem foco nas pessoas privadas de liberdade por qualquer motivo, para garantir o respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantir que essas pessoas não sofressem agressões. Nas visitas periódicas às cadeias, presos seriam entrevistados.
O comitê subsidiaria as ações do Plano Nacional de Prevenção à Tortura no Estado e teria poder para requisitar às autoridades apuração imediata de práticas de tortura ou tratamento desumano, degradante ou cruel no sistema penitenciário paulista.
“O Brasil tem a obrigação legal internacional de estabelecer Mecanismos Nacionais de Prevenção para combater a tortura e os maus-tratos, em razão do fato de o país ratificou em 2007 o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura (OPCAT)”, indicaram.
De acordo com eles, em 2015, o Brasil introduziu “uma lei federal criando um Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que se baseia no estabelecimento de uma rede de mecanismos preventivos a nível estadual”. “Tais mecanismos já foram estabelecidos nos Estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Roraima e no Distrito Federal. Este veto vem inverter essa tendência positiva”, alertam.
“Esperamos que o Brasil continue cumprindo as suas obrigações internacionais, reverta essa decisão e permaneça comprometido em favor da luta contra a tortura”, declarou Malcolm Evans, presidente do Subcomitê para a Prevenção da Tortura (SPT).
“Congratulamo-nos com a declaração feita na semana passada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ao rejeitar esse veto, convidando o Estado a cumprir com as suas obrigações no âmbito do OPCAT”, completou.
O Subcomitê indica que visitou o Brasil em 2011 e 2015. “Durante essas visitas, os especialistas notaram que o Brasil deve tomar medidas para prevenir a tortura e os maus-tratos, inclusive pelo estabelecimento de mecanismos nacionais de prevenção”, indicou o comunicado da ONU.
“Além disso, o Brasil aceitou as recomendações feitas no âmbito da Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU para estabelecer Mecanismos independentes a nível federal e estadual para a prevenção da tortura”, alertaram.
“O estabelecimento de mecanismos independentes de prevenção da tortura é um dos meios mais eficazes para proteger todos os que estão detidos contra maus-tratos, é uma forma de lhes garantir o direito a um processo justo bem como de assegurar o estado de direito no país. O governo federal do Brasil está sob obrigação legal internacional de garantir que isso aconteça”.
Doria, ao vetar, alegou que a Assembleia Legislativa não tinha poderes para criar uma comissão permanente voltada à fiscalização do poder Executivo. “O controle do Poder Legislativo sobre os atos da Administração Pública deve se limitar às hipóteses estabelecidas e previstas na Constituição, que institui o modelo de separação de poderes que deve ser seguido pelos Estados”, escreveu.
“Assim, de acordo com a Constituição Federal, é cabível a instauração de comissão parlamentar de inquérito para investigar fato determinado, eventualmente relacionado à prática de tortura, mas não é admissível a criação de órgão vinculado ao Poder Legislativo com poderes para fiscalizar as atividades dos estabelecimentos privativos de liberdade, mediante a concessão de amplos poderes de ingresso nesses estabelecimentos, sobretudo sem que sejam atendidas as normas de segurança aplicáveis”, continuou Doria.
Inconstitucional
Em nota, a Secretaria da Casa Civil afirmou que Doria vetou o projeto por “inconstitucionalidade”. “A proposta do deputado previa a criação do Comitê Estadual, dentro da Assembleia Legislativa, com criação de cargos e custos orçamentários, ferindo o princípio da separação de poderes”, diz o governo.
O comunicado afirma, ainda, que “O veto não significa em absoluto, que o governo não apoie medidas de prevenção e combate à tortura” e que o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), órgão ligado à Secretaria da Justiça, já recebe denúncias de presos, investiga e propõe soluções.
“A Defensoria Pública de São Paulo também tem a atribuição legal de efetuar a promoção integral dos Direitos Humanos, criando estratégias e políticas de prevenção à tortura, com enfoque na proteção das pessoas privadas de liberdade”, diz a nota. “Além disso, as Secretarias de Segurança Pública, de Administração Penitenciária e a Fundação Casa possuem ouvidorias e corregedorias para receber e investigar denúncias de tortura.”