28/12/2023 - 9:00
Apesar de métricas oficiais demonstrarem melhora no mercado de trabalho e queda na taxa básica de juros (Selic), o setor de varejo mostra baixo dinamismo neste fim de ano. Ao contrário do que imaginavam os varejistas, as famílias estão preferindo aproveitar o orçamento doméstico para reduzir dívidas e sair da inadimplência, em vez de consumir, avalia o gerente da Pesquisa Mensal de Comércio no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Cristiano Santos.
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Segundo a Ibevar – Fia Business School, a previsão é de que o varejo ampliado cresça quase 5% em 2023, na comparação com o ano anterior. Já o varejo restrito, deve subir 1,74%, utilizando a mesma base de comparação.
Mesmo com a projeção otimista, especialistas consultados por IstoÉ Dinheiro elencaram uma série de desafios pelos quais o varejo passa. Além da dificuldade financeira atravessada por grandes players desse mercado, com registro de fechamentos de lojas, maior endividamento e queda de rentabilidade, recorde em pedidos de recuperação judicial e problemas de estoque, o setor tem demonstrado lentidão na adaptação aos novos hábitos do consumidor.
“Em 2023, observamos empresas altamente alavancadas, estranguladas pelo aumento das taxas de juros, resultando em uma restrição de liquidez no mercado. O sonho de crescimento, impulsionado por financiamentos fáceis, deu lugar à frustração, forçando as empresas a buscar dinheiro no mercado sem sucesso”, explica o especialista em reestruturação de empresas e CEO da Excellance, Max Mustrangi.
Ainda na avaliação dele, o número de pedidos de recuperação judicial evidencia a dificuldade dos varejistas. Em novembro deste ano, 162 companhias pediram recuperação judicial, segundo dados da Serasa Experian. O resultado é 51,4% maior que o do mesmo período de 2022. Também é a maior marca mensal de pedidos em mais de quatro anos, desde julho de 2019, quando 176 empresas pediram recuperação judicial.
Segundo Mustrangi, entre maio de 2022 e maio de 2023, o mercado registrou R$ 100 bilhões em dívidas computadas pelas empresas, e houve recorde de pedidos de falência no período.
Entre alguns casos que ficaram bastante conhecidos pelo público em geral e reforçam a narrativa de Mustrangi é o das Lojas Americanas, que, na sua avaliação, serviu de estopim para uma parcela significativa da crise que o varejo enfrenta.
Casos emblemáticos do varejo em 2023
Americanas: a gigante do varejo físico e eletrônico entrou com recuperação judicial em janeiro deste ano. Em junho, um relatório emitido pela própria companhia apontou bilhões de reais em fraudes e lançamentos indevidos. Em novembro, a empresa demitiu, no período de uma semana, mais de 5,5 mil colaboradores. Em seu último relatório, a Americanas admitiu que ainda possuía R$ 21,1 bilhões em dívidas, sem contar o endividamento bancário. Até setembro de 2023, a varejista fechou 95 lojas. Já em dezembro, a companhia conseguiu maioria para aprovar sua recuperação judicial.
123 milhas: após a suspensão de uma série de pacotes de viagens já pré-agendadas, a 123 milhas pediu, em agosto, um pedido de recuperação judicial junto à Justiça. No mesmo mês, a empresa já havia suspendido suas vendas. No total, a agência de viagens tem uma dívida estimada em R$ 2,4 bilhões. Entre elas, encargos trabalhistas de 948 funcionários.
Starbucks: operada no Brasil pela SouthRock, a Starbucks encerrou 43 operações, das 187 lojas que a rede de cafeterias possuía no País. Em outubro, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, alegando ter mais de R$ 1,8 bilhão em dívidas. Segundo a companhia, a pandemia, a inflação e os juros altos levaram agravaram a operação do negócio no Brasil. Entidades que representam os trabalhadores da Startbucks afirmaram, em reportagem, que há relatos de demissões em massa. Só neste mês, a empresa perdeu R$ 12 bilhões em valor de mercado.
Nestlé compra Kopenhagen: Em setembro, a Nestlé anunciou a compra do Grupo CRM, dono das marcas Kopenhagen, Kop Koffee e Brasil Cacau. A transação é estimada em R$ 4 bilhões. Para Mustrangi, a venda da Kopenhagen foi uma alternativa para mitigar perdas que a companhia teve com a expansão acelerada. No caso da Nestlé, a compra deve gerar ganho de nicho e proteção de mercado, apesar de ter de assumir as dívidas da chocolateria.
Fechamento de lojas do setor do varejo
- Americanas: 95 lojas entre janeiro e setembro 2023;
- Polishop: 150 lojas desde 2020;
- Marisa: 88 lojas fechadas até julho de 2023;
- Renner: 20 lojas fechadas até o primeiro trimestre de 2023;
- Riachuelo: encerrou a operação de uma das mais tradicionais lojas da empresa, na região dos Jardins, em São Paulo;
- Tok&Stok: fechou 17 lojas até junho de 2023;
- Casas Bahia: plano de restruturação anunciava o fechamento de 50 a 100 lojas ainda em 2023;
- RiHappy: fechamento de 8 lojas entre janeiro a agosto de 2023.
Segundo o IBGE, o volume vendido pelo varejo recuou 0,3% na passagem de setembro para outubro de 2023, na série com ajuste sazonal. Houve perdas em cinco das oito atividades pesquisadas.
Tendências do varejo para 2024
Para Mustrangi, da Excellance, analisando os problemas de performance das empresas, a crise no setor varejista tende aumentar, e destaca que a probabilidade de várias empresas enfrentarem uma situação mais crítica em 2024 é bastante elevada.
“Continuaremos a observar, mês após mês, um aumento tanto no número quanto no tamanho das recuperações judiciais. O mercado permanece cauteloso quanto ao financiamento de capital de giro, demonstrando receio em relação à deterioração financeira, à inadimplência e a possíveis processos de recuperação judicial, temendo pela perda do principal”, complementa.
Por outro lado, também há empresas varejistas se movimentando para enfrentar a crise. Algumas das principais estratégias para manter o negócio eficiente estão na atenção ao consumidor e seus hábitos, nas estruturas de rentabilidade, na relação com a indústria, nos modelos de negócio e nas vendas digitais.
De acordo com o CEO da Mob2Con, plataforma de inteligência de dados para a eficiência operacional do varejo, Carlos Wayand, o setor terá pela frente um enorme desafio a ser superado, porém, ao contrário de Mustrangi, ele crê numa conjuntura econômica mais positiva.
“O varejo pode ser definido como uma balança, onde de um lado temos o consumidor, e do outro o fornecedor. O que sustenta a relação é a rentabilidade, que hoje está super comprometida. A grande questão para 2024 será revisitar os fatores que constituem as relações e estabelecer novos caminhos que sejam mais seguros e sustentáveis para os envolvidos, mas principalmente para o próprio varejo em si”, argumenta.
Wayand destaca outros pontos a serem levados em conta pelos varejistas:
- Relação indústria e varejo: a formalização de um ambiente que ofereça preço baixo, conveniência e comodidade para os consumidores, depende, de uma vez por todas, de uma melhora na relação entre o varejo e a indústria. A relação entre varejo e indústrias precisa contar com um tom mais estratégico. Se eles não caminharem juntos na mesma direção, a chance de ambos saírem prejudicados é grande;
- Tecnologia: hoje ela já se posiciona como uma ferramenta fundamental para a construção de análises mais bem embasadas perante os diferentes cenários. Será através dela que o setor irá garantir os insumos necessários para entender quais os melhores caminhos para adotar. Entretanto, ter os dados em mãos é somente parte da resolução do problema. O que será construído a partir dessas informações é o que verdadeiramente irá determinar se, ao final de 2024, a rentabilidade das marcas será expandida ou não;
- Conveniência: é perceptível que o consumidor topa pagar um pouco a mais pelo produto em troca da economia de tempo. E as lojas de conveniência mostram isso. Oferecem facilidade e agilidade. Nesse caso, a atenção deve ser voltada à rupturas, quando o cliente não encontra o produto que procura. De qualquer forma, o segmento segue crescendo de fora exponencial;
- Atacadistas: populares deste o período pré-pandemia, apesar de demonstrar um certo desgaste no mercado, os atacados pegaram a moda. São lojas mais baratas para operar, tanto que os hipermercados se tornaram, em muitos casos, atacadistas. Esse segmento ainda deve desempenhar bem durante um ciclo, mas chegará a um ponto de limitação.
“De tudo isso, o dado mais relevante para o varejo é a sua relação com o consumidor. É a partir desses insumos que o lojista tem a chance de avaliar a sua audiência, além de construir meios efetivos para oferecer o produto que o cliente quer, da maneira que ele deseja”, completa Wayand.