A adoção de uma série de medidas contra o novo coronavírus em favelas – incluindo reduzir até pela metade a densidade demográfica, criar estruturas de saneamento emergenciais e oferecer produtos de higiene – poderia diminuir a pressão sobre o sistema de saúde e salvar até 26 mil vidas no Estado de São Paulo e até 15 mil no Rio.

Os cálculos são de um grupo de pesquisadores especialistas em modelagem de dinâmica de sistema que se uniram ao coletivo Favelas contra o Coronavírus. Uma vez que nas comunidades é praticamente impossível aplicar o isolamento social – uma das principais recomendações contra covid-19 – e nem sempre é garantido que a medida mais eficaz de proteção seja posta em prática o tempo todo, que é lavar as mãos, a ideia dos pesquisadores foi propor outras saídas. Essas incluem um esvaziamento das favelas.

Eles criaram um simulador para estimar o efeito de ações combinadas em diferentes proporções: remoção temporária de moradores das favelas para equipamentos públicos ou para hotéis; subsídio a insumos de higiene; renda básica para comprar produtos de higiene; estruturas emergenciais de saneamento; expansão de UTIs e uso de máscaras faciais.

A primeira análise foi feita para o Estado do Rio, onde vive, proporcionalmente, a maior população em favelas no Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 2,2 milhões nessa condição, 13% da população, em uma densidade demográfica média de 9,9 mil/km².

Na melhor combinação de medidas, o grupo avaliou que reduzir pela metade a densidade demográfica das favelas do Estado, com a transferência temporária de cerca de 5 mil pessoas/km², a criação de estruturas emergenciais de saneamento em todas as favelas que não têm o serviço, o fornecimento de produtos de higiene para 50% dos domicílios, e a construção de 20 UTIs/dia no Estado desde o início da epidemia poderiam salvar até 15 mil vidas – ou 16% das potenciais vítimas.

Sem intervenções (não só nas favelas, mas em todo o Estado), estimam os pesquisadores, o Rio poderia ficar entre 41 e 93 dias sem vagas em UTIs (do melhor ao pior cenário). Com essa estratégia acima, os dias sem UTI cairiam para algo entre 34 (no melhor cenário, com outras intervenções) e 52 dias.

Para São Paulo, essas mesmas condições poderiam salvar até 26 mil vidas, ou 14% das potenciais vítimas. Sem intervenção, o Estado poderia ficar entre 42 (melhor cenário) e 105 (pior cenário) dias sem vagas em UTI para novos doentes (não só de coronavírus, mas de qualquer doença ou acidente). Com essas medidas, os dias sem leito disponível caem para algo entre 38 e 70 dias sem UTI. “Estamos diante de um problema que é piorado pela desigualdade, pela pobreza”, afirma o engenheiro Vinícius Picanço, professor de Operações e Sustentabilidade do Insper.

Governo

Os governos têm propostas para avaliar a situação em áreas periféricas. A Prefeitura de São Paulo informou que realizou mapeamento de todas as comunidades com o objetivo de direcionar doações de alimentos e kits de higiene. Outra medida é a instalação prevista de 100 pias em “pontos estratégicos”. Além disso, estuda transformar um CEU em Paraisópolis em hospital de campanha. Já o governo do Estado destacou a suspensão da cobrança da tarifa social de água para 506 mil famílias, além de subsídios para alunos carentes e ampliação do serviço Bom Prato.

No Rio, o Estado e a prefeitura também lançaram ações de higienização em mais de 50 comunidades. E 40 novos caminhões-pipa foram ofertados somente para atender a essas áreas carentes.

Além disso, a Secretaria de Assistência Social reservou mil quartos de hotéis para abrigar idosos e outras pessoas em condições mais vulneráveis. Até agora, no entanto, apenas 43 quartos foram ocupados.

Operação de guerra

Até esta quinta-feira, 16, a comunidade de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, vai colocar em funcionamento duas casas de apoio para abrigar moradores diagnosticados com a covid-19, que convivem em suas casas com grupos de risco. Também criou uma estrutura de guerra, que conta até com “presidentes de rua” para monitorar a saúde da população. “Decidimos criar um espaço de acolhimento e isolamento para evitar a contaminação”, diz Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis e coordenador nacional do G10 das favelas. Os centros de acolhimento foram instalados em duas escolas estaduais.

Cada centro tem 16 salas e capacidade para acolher 260 pessoas. A intenção é ter mais centros e, com isso, atingir a capacidade para atender mil pessoas. Hoje vivem em Paraisópolis cerca de 100 mil pessoas. Os centros têm cama, banheiros, lavanderia, cozinha e uma ambulância de plantão. Rodrigues diz que os centros foram criados após doações, em dinheiro e em produtos, recebidas principalmente de pessoas físicas. Cerca de 50 cuidadores foram contratados para trabalhar em cada uma das casas por três meses.

“A intenção era criar um hospital, mas não temos logística nem autorização para isso.” As casas de apoio são mais uma das iniciativas do comitê da favela de Paraisópolis. Também há um esquema de monitoramento da pandemia. A cada 50 casas, um morador vizinho e voluntário, chamado de presidente de rua, tem quatro atribuições: conscientizar as pessoas para que fiquem em casa, distribuir doações, repassar informações corretas e monitorar, por meio do WhatsApp, a saúde das 50 famílias. “Se elas tiverem algum problema, ele aciona a ambulância.”

A comunidade contratou três, uma delas com equipamentos de UTI, além de dois médicos, três enfermeiros e dois socorristas. “Decidimos contratar as ambulâncias porque o Samu não vem para cá”, diz Rodrigues. “Não dá para deixar a favela à própria sorte: tem política para salvar bancos, shoppings, varejo e favela ninguém falou até agora como vai salvar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.