18/05/2005 - 7:00
O varejo brasileiro tomou um susto na semana passada. A americana J.C. Penney anunciou que pretende vender parte ou a totalidade de sua participação de 98% nas Lojas Renner. O poderoso grupo estrangeiro, segundo maior dos EUA no segmento de lojas de departamentos e com forte atuação em vestuário, desembarcou no País em 1998. Gastou US$ 139 milhões para comprar o controle acionário da Renner e tinha planos de fazer da rede gaúcha uma potência nacional como a Mesbla dos bons tempos. Em sete anos, os resultados não foram nada desprezíveis. O número de lojas saltou de 21 para 62 e o faturamento, R$ 250 milhões para R$ 1,3 bilhão. Mas pesou uma amarga característica do varejo local que os gringos não conseguiram adoçar: ?Empresas gigantescas como a J.C. Penney trabalham com níveis elevadíssimos de rentabilidade. Por mais que o negócio seja redondinho, é impossível obter taxas satisfatórias em mercados em desenvolvimento?, avalia Ulisses Reis, coordenador do MBA de Varejo da Fundação Getúlio Vargas. ?Fica mais difícil quando a proposta comercial é claramente vender para a massa, com preço baixo?, completa Eliane Robic, do Instituto Brasileiro de Moda.
Nos últimos anos, a J.C. Penney, que tem mais de mil lojas nos EUA, já havia se desfeito de suas operações no Chile e no México. A saída do Brasil representa o último passo na estratégia de se concentrar exclusivamente no mercado americano de lojas de departamento, que passa por uma crise estrutural. ?Hoje, é um formato sufocado entre a expansão das lojas de desconto como Wal-Mart e lojas especializadas com marcas próprias como Gap?, diz Alberto Serrentino, sócio-diretor da consultoria Gouvêa de Souza & MD. Há outra encruzilhada: os jovens americanos detestam lojas de departamentos, porque elas são todas iguais e vendem sempre os mesmos produtos. ?O modelo envelheceu junto com seu público, só que o pessoal mais velho nos EUA não gasta com roupas?, diz Serrentino. Não se pode dizer, porém, que a J.C. Penney esteja mal das pernas. As vendas cresceram nos últimos três anos, o lucro voltou (leia o quadro) e as ações se valorizaram 48% em 2004. Olhar para dentro de casa soa mais como precaução num momento propenso a fusões e aquisições.
O curioso é que, ao deixar o Brasil, a companhia pode revolucionar o mercado de capitais local. A saída se dará de forma inédita: a J.C. Penney vai fazer uma oferta pública de ações na Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, numa o operação que pode gerar R$ 1 bilhão. Se vingar, poderá também fazer da Renner uma empresa com capital totalmente pulverizado, sem controlador. Isso é comum nos EUA, mas no Brasil é novidade. Pelo modelo desenhado, um investidor poderá arrematar, no máximo, 20% das ações. Se quiser mais, terá de levar tudo.
A pergunta é: será que a moda da pulverização pega? ?Certamente vai gerar um estranhamento inicial, pois não temos essa cultura. Mas é uma evolução que fará bem ao nosso mercado?, avalia Gregório Rodriguez, da Associação Nacional de Investidores de Mercado de Capitais. ?O importante não é que a empresa tenha controlador, e sim que ela seja bem gerida e dê tratamento equânime para acionistas majoritários e minoritários.? Hoje no Brasil, o capital de uma empresa aberta normalmente é composto por 33% de ações ordinárias (com direito a voto) e 66% de preferenciais. O controlador é quem detém metade das ordinárias mais uma. Ou seja, com 16% do total de ações um investidor pode dar as cartas aos outros 84%. ?O capital pulverizado dá mais transparência e liquidez à companhia?, afirma Rodriguez.
Apesar da proposta de pulverização, o mercado já especula sobre possíveis novos donos para a Renner. A C&A logo despontou como forte candidata. Mas dada a sobreposição de lojas (onde há uma C&A há uma Renner) dificilmente o negócio interessaria aos holandeses. Outros nomes como Pernambucanas e Riachuelo também foram cogitados. ?Mas confesso que o valor de R$ 1 bilhão me assustou um pouco?, disse o executivo de uma das redes que pediu para não ser identificado.