19/01/2020 - 15:00
O interesse crescente pelos grupos e movimentos de renovação e formação política no País vai se refletir nas eleições municipais deste ano.
Em 2019, com a persistente crise de representatividade dos partidos tradicionais, o número de alunos e apoiadores destes grupos se multiplicou. O fenômeno deverá resultar em um boom de candidaturas majoritárias associadas a organizações suprapartidárias que formam lideranças ou que buscam renovar a prática política, segundo levantamento do Estado.
Faltando nove meses para as eleições municipais, ao menos 71 egressos desses movimentos civis já manifestaram interesse em concorrer em capitais de ao menos 21 Estados. A participação em grupos de formação política se tornou uma credencial para candidaturas, o que leva partidos a disputarem os novatos oferecendo estrutura material e suporte.
Em um dos poucos movimentos que já existia em 2016, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), o número de interessados em disputar as prefeituras das capitais até agora já é maior do que o total de candidatos ligados ao grupo que disputaram a eleição de 2016, incluindo na conta as cidades menores. Segundo o grupo, 49 dos inscritos querem estar nas urnas em outubro. Em 2016, saíram da Raps 22 candidatos a prefeito, oito deles em capitais.
Para alguns pré-candidatos, os grupos civis são uma forma de driblar a falta de contatos nos partidos políticos para se apresentar ou de recursos financeiros para tocar uma campanha. “As pessoas têm medo de ir para a política”, afirmou ao Estado Charbel Elias Maroun, pré-candidato do Novo à prefeitura do Recife. “Primeiro, porque acham que é caro e que tem que gastar muito dinheiro – e eu não as culpo porque é isso o que a gente tem visto. Segundo, porque elas acham que não têm o apoio de ninguém.”
Maroun estreou nas urnas em 2018, após integrar a primeira turma do RenovaBR, apoiado pelo apresentador de TV Luciano Huck – cotado como possível candidato à Presidência em 2022. Ele gastou R$ 70 mil na campanha, conquistou 22 mil votos, mas não garantiu a vaga de deputado federal. A candidatura de Maroun é quase certa, já que o Novo fez um processo seletivo para definir seus nomes e ele é o único aprovado para disputar a prefeitura do Recife. Falta apenas a confirmação da convenção municipal. “Fui submetido a provas, a testes, a headhunters e tudo mais”, destacou.
Embate
O desconforto com antigas práticas partidárias é outro fator que empurra jovens políticos ou aspirantes a políticos para os grupos de renovação. O médico João Guilherme de Moraes diz ter se frustrado em sua primeira tentativa de entrar no Executivo municipal, em 2016. Vice na chapa que foi ao segundo turno na disputa pela prefeitura de Curitiba, ele se queixa de coligações que unem siglas sem afinidade programática em busca de tempo de TV. “Atrapalha a estrutura partidária e essa questão de as agremiações no Brasil terem dono”, afirmou.
Moraes, então no PSC, concorreu com Ney Leprevost (PSD) e foi derrotado. “Eu voltei às atividades do consultório, mas com desejo de retornar (à política)”, disse. Após passar pela última turma do RenovaBR, ele também se filiou ao Novo. Além de Maroun e Moraes, o grupo contabiliza outros 12 pré-candidatos a capitais que fizeram em 2019 o curso de qualificação para atuar na esfera municipal. Ao todo, 1.170 pessoas de 410 cidades se formaram na última turma do RenovaBR, divididas em 30 dos 33 partidos que existem hoje no Brasil.
O movimento, alegando alta procura, decidiu abrir novo processo seletivo no início deste ano para atender interessados em se candidatar a prefeito ou vereador nas disputas municipais. Numa peça publicitária em que anuncia os novos cursos, o RenovaBR conclama: “Seja a pessoa que você quer eleger”.
O Livres, um movimento de viés liberal, já tem seis associados pleiteando apoio às suas pré-candidaturas a prefeito de capitais. Um dos concorrentes é o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que deve se lançar no Rio. Após ganhar fama em 2016, quando denunciou a pressão de Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência, para liberar uma obra em Salvador, ele se ligou a vários grupos de renovação.
Depois de ganhar notabilidade nas mobilizações de rua pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Movimento Brasil Livre (MBL) também já tem apresentado nomes para as eleições municipais deste ano.
O Estado procurou nos últimos dias outros grupos, como Acredito, Agora!, Vote Nelas e Ocupa Política, que informaram não ter ainda uma lista prévia de possíveis candidatos a cargos majoritários no País.
Nome da ‘velha guarda’
Um dos integrantes do Livres com intenção de se lançar em 2020 tem perfil que destoa dos novos nomes que pretendem disputar as eleições neste ano. Trata-se de Andrea Matarazzo (PSD), 63 anos, que acumula passagens por mais de dez cargos nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – em mais de 20 anos de vida pública.
“É uma via de duas mãos”, disse Matarazzo, que é sobrinho-neto do conde Francesco Matarazzo, sobre sua presença ao lado de novatos que querem ingressar na política. “Posso transmitir conceitos de liberdade econômica, transmitir a minha experiência trabalhando no governo a essa juventude”, afirmou ao Estado. Em contrapartida, disse, ele ganha ao se aproximar dessa turma “competente” da renovação.
O político da velha guarda vê nas cabeças arejadas do Livres um diferencial. “Eles não são dogmáticos. Entendem que a formulação da política pública pode ser feita pelo Estado e que a execução, pelo privado. Mas sabem que o Estado vai estar presente em função da altíssima desigualdade, que não será a economia de mercado que vai resolver.”
Durante a entrevista, feita por telefone, a ligação caiu duas vezes. Matarazzo aproveitou, então, para pregar o receituário liberal: “É um caso típico de falta de concorrência, né? As teles são grandes demais e de uma ineficiência comovente: custo alemão com qualidade cubana”, disse ao atender de novo a ligação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.