25/05/2023 - 10:45
Ao impor restrições ao gigante americano dos semicondutores Micron, a China eleva o tom em relação aos Estados Unidos, em uma disputa tecnológica avivada pelas tensões diplomáticas.
Vários analistas ouvidos pela AFP consideram, no entanto, que a margem de manobra de Pequim pode ser limitada, pois a prioridade é a retomada da segunda maior economia do mundo, fragilizada por três anos de política anticovid.
O setor de microchips é altamente estratégico, dando vida à economia mundial moderna. Estão nas lâmpadas de LED, nas máquinas de lavar, nos carros e celulares inteligentes, entre outros.
No domingo (21), a Agência chinesa de Cibersegurança declarou que os microchips fabricados pela Micron “apresentam problemas potenciais para a segurança das redes”, o que põe em risco “a segurança nacional da China”. Nesse sentido, o órgão pediu aos “operadores de infraestrutura que trabalham com dados sensíveis da China” que parem de comprá-los.
Em resposta, Washington manifestou suas “muito sérias preocupações” sobre o tema.
Na véspera, os líderes dos países do G7, reunidos em Hiroshima (Japão), haviam advertido contra qualquer tentativa de “coerção econômica”, em uma alusão velada às práticas chinesas.
“O comunicado forte do G7 talvez tenha colocado mais lenha na fogueira”, disse Gary Ng, economista da Natixis. Segundo ele, o caso Micron “vai estabelecer jurisprudência”.
– ‘Represálias’ –
Iniciado no final de março, o procedimento contra o grupo é o primeiro contra uma empresa estrangeira desde que Pequim endureceu as regras em matéria de cibersegurança em 2021.
“Não vou ficar surpreso se os reguladores decidirem, no futuro, usar esses procedimentos como uma ferramenta de represália” geopolítica, acrescentou Gary Ng.
Emily Weinstein, pesquisadora da Universidade de Georgetown, destacou, por sua vez, que a noção de “operadores de infraestrutura que trabalham com dados sensíveis” é muito ampla e pode ir da defesa à saúde, passando pela conservação da água.
Além disso, ela lembrou que “a China sempre encontrou motivos de segurança nacional, ou outros, para criar barreiras protecionistas”. Entre eles, a eventual exigência de acordos de transferência de tecnologia, obrigando as empresas a armazenarem dados dentro do país e, em certos setores, a demanda de que algumas companhias estrangeiras criem outra empresa com um sócio local.
A medida contra a empresa “é claramente em represália pelo que Pequim percebe como um apoio de Washington à Micron e à indústria americana de semicondutores”, disse Paul Triolo, especialista em tecnologia chinesa, da consultoria Albright Stonebridge.
Em outubro de 2022, também sob a alegação de questões de “segurança nacional”, os Estados Unidos anunciaram novos controles às exportações, para dificultar o acesso de Pequim a chips de ponta “com aplicações militares”.
A medida vetou os fabricantes de chips chineses, como a Yangtze Memory Technologies, concorrente da Micron.
– O trunfo sul-coreano –
Para a China, a Micron — quarto fabricante mundial de semicondutores — era um alvo fácil, já que seus chips poderiam ser substituídos pelos sul-coreanos Hynix e Samsung.
Já mirar em outras gigantes americanas, como Intel e Qualcomm, será mais difícil, pois seus chips são usados em bens de consumo — como celulares —, fabricados na China e depois exportados. Além disso, Pequim não pode correr o risco de enfraquecer sua economia, ainda afetada pelas consequências da política de “zero covid”.
“A China tem-se mostrado muito prudente e não tomou muitas medidas de retaliação (…) porque Pequim não pode aumentar rapidamente suas capacidades domésticas para enfrentar um eventual déficit” de chips, observou Gary Ng.
A partir de agora, para compensar, vai apostar “nos fornecedores sul-coreanos”, disse Paul Triolo.
No mês passado, a Casa Branca pediu aos fabricantes sul-coreanos que não exportassem para a China e também pressionou Holanda e Japão, que anunciaram restrições nessa área.