DINHEIRO ? A Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação) tem algum cálculo, na ponta do lápis, do prejuízo econômico que o setor alimentício sofrerá, caso a medida que restringe a propaganda de certos alimentos entre em vigor?
EDMUNDO KLOTZ ? Ainda não imaginamos. Mas é um setor que movimentou R$ 191 bilhões no ano passado. Isso corresponde a 10% do PIB. E calculamos que de 70% a 80% das indústrias seriam afetadas. Pense que nenhuma propaganda poderia sair em nenhum horário. E não adianta veicular nas altas horas porque perderia a eficácia. Isso não afeta só a nós, indústria, mas ao setor varejista, ao atacado, ao sistema de restaurantes, ao chamado ?food service? (alimentação fora do lar) e a outros, inclusive à mídia. Ou seja, as conseqüências totais não foram sequer imaginadas.

DINHEIRO ? Se a medida for aprovada, de que forma afetará o desempenho do setor?
KLOTZ ? Não acreditamos que ela vai ser aprovada, mas o fim da propaganda de alimentos na televisão, no rádio e nos outros veículos de comunicação seria caótico. Já temos uma auto-regulamentação proposta juntamente com o Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), que prevê todos os cuidados. É só verificar. As propagandas que fazemos hoje são absolutamente amigáveis, no sentido de orientar para a saúde, para uma alimentação sadia, e não para uma alimentação descuidada que possa provocar distúrbios. Claro, há correções que precisam ser feitas. Mas estamos trabalhando nisso ao longo do tempo. A nossa principal preocupação é que o prazo que eles querem dar para a indústria eliminar ou mudar linhas de fabricação, para encontrar outros meios de fornecer a gordura saturada, é insuficiente. Precisamos fazer isso de acordo com uma agenda, com tempo. Não é só mudar, precisamos saber pelo que mudar. A nova matéria-prima precisa ter um plantio sustentável, fornecimento etc.

DINHEIRO ? Existe um substituto para a gordura saturada?
KLOTZ ? Existe. Por exemplo, a gordura de palma. Mas ela ainda é escassa. Precisaria de um tempo para maturar, para se desenvolver, para se justificar como negócio. Desenvolver tecnologia, uma rede de fornecimento, logística, abastecimento. Nada disso se faz da noite para o dia. Há todo um problema. Nosso ponto é: ninguém discute mais se as mudanças estão certas ou erradas. Elas vão acontecer, mas dentro de um tempo factível e não por decreto.

DINHEIRO ? Como as empresas reagiram ao anúncio da restrição?
KLOTZ ? Reagiram mal, temendo danos na continuidade da distribuição e do abastecimento, caso uma alternativa tenha de ser adotada na marra. Como eu disse, as mudanças podem ser feitas dentro de um tempo em que as indústrias consigam trazer para a normalidade a produção das opções aos produtos que são usados hoje. Os processos já estão sendo implementados, mas demora. Nós, da Abia, lançamos um manifesto oficial contra a restrição da propaganda porque ela coloca os alimentos no mesmo grupo do tabaco, das bebidas alcoólicas e dos remédios controlados.

DINHEIRO ? O governo sinalizou uma mudança de postura depois disso? KLOTZ ? Tivemos uma reunião recentemente na Fiesp com o ministro da Saúde (José Gomes Temporão) e com o diretor-presidente da Anvisa (Dirceu Raposo de Mello). Foi muito bom porque eles prometeram restabelecer o diálogo, discutir a melhor maneira possível de conduzir a transição. A chave é justamente trabalhar em conjunto. Não acreditamos que haja uma boa solução para a sociedade sem uma parceria com o governo. Se não estivermos com o governo, eles só vão conseguir editar leis e perturbar o ambiente. E se fizermos sozinhos, não teremos o eco que o governo representa. A nossa preocupação é a desinformação que o caso provoca enquanto isso. De repente, você solta uma bomba dessas no mercado, assinada por algum pseudoconhecedor do assunto que, na realidade, em vez de informar, desinforma mais.

Daí, surgem, por exemplo, propostas de eliminação pura e simples da gordura trans dos alimentos, sem entrar em detalhes. Ora, com isso você proíbe uma série de alimentos que possuem essa substância. Assim, as churrascarias vão fechar e se acaba com a criação de frangos, além de colocar em crise a produção de leite e ovo. Enfim, surgem projetos de lei da autoria de gente que não nos acompanha. Essas notícias mal colocadas transformam o País numa perseguição ao diabo.

DINHEIRO ? Qual é a alegação da Anvisa para limitar a propaganda de alimentos?
KLOTZ ? Obesidade. Eles acham que a publicidade de alimentação no País, da forma como é feita, desperta apetites por produtos não saudáveis que causam a obesidade, como alimentos ricos em açúcar, gorduras saturada e trans, sódio e certos tipos de bebidas com baixo teor nutricional.

Querem, então, impedir que haja acesso de crianças à propaganda exagerada de alguns produtos. Acham que elas poderiam gostar e ficar comendo só aquilo. É um tremendo engano, primeiro porque ninguém vive só de sanduíche como o governo está imaginando. Depois, porque, ao contrário do que muita gente fala, produto alimentício industrializado não necessariamente provoca obesidade. A educação ensinaria que uma alimentação equilibrada, conjugada com outros esforços, como movimentação física e moderação, resolve absolutamente todos os problemas. É só não exagerar e adotar dietas complementares.

DINHEIRO ? Como a educação resolve o problema?
KLOTZ ? Vou responder com um exemplo. Mantemos o programa ?Prazer de Estar Bem? há um ano e meio, através das escolas do Sesi e Senai, dentro da Fiesp. Nele, ensinamos matérias como alimentação e nutrição para 285 mil crianças de 4 a 14 anos. Não só as crianças, mas os pais recebem orientação. Também damos acompanhamento médico e assistentes sociais visitam as famílias todo sábado. O programa é um sucesso. A educação resolveria o problema sem precisar proibir absolutamente nada.

DINHEIRO ? Que outras medidas ajudam a combater os vícios de alimentação?
KLOTZ ? Educação resolveria 80 ou 90% dos problemas. Ela é o caminho para a população incorporar hábitos saudáveis. Sem ela, não adianta lançar o produto mais adequado, que as pessoas irão atrás do proibido. O que mais pode ajudar? Campanhas de atividade física. Menos televisão, menos vídeo game. Mais esporte, mais práticas ao ar livre. Hoje, as crianças não praticam esportes como antigamente. O que não se pode é começar a banir. Banir gordura, por exemplo. Ela é um componente importante na nutrição humana, indispensável até. Sempre foi. Ela é prejudicial apenas em excesso.

DINHEIRO ? Esse tipo de restrição ou banimento tem amparo na lei?
KLOTZ ? Olha, restringir a propaganda de alimentos é inconstitucional. Existe, na Constituição, o Artigo 220, que determina que você só tem ingerência constitucional nos artigos que dizem respeito ao tabaco, às bebidas alcoólicas, aos agrotóxicos e aos produtos farmacêuticos de tarja preta, que são os remédios vendidos sob indicação médica. É isso que consta na lei. Em nenhum momento a Constituição autoriza o governo a ingerir na propaganda de alimentos. Mas vamos admitir que cheguemos a um consenso com eles sobre como fazer a propaganda. Já adiantamos uma parte, adotando uma auto-regulamentação. Ela está em vigor desde o ano passado, funcionando bem e eliminando com rigor os exageros. Estamos aí para colaborar com a população. Nosso maior interesse é o consumidor.

DINHEIRO ? A idéia da restrição vem desse governo ou é mais antiga? Quem encabeça a campanha?
KLOTZ ? Teoricamente, ninguém em específico. A Organização Mundial da Saúde deu alguns parâmetros, alertou sobre o problema, e cada país reagiu à sua maneira e a seu tempo. A maioria dos países adotou sua auto-regulamentação e se restringiu sozinha. Eles se comprometeram em não fazer propaganda durante programas infantis, por exemplo. Evitaram fazer propagandas supostamente enganosas em horários cuja audiência é composta por pessoas que não têm opinião formada, que são facilmente convencidas.

DINHEIRO ? Qual o seu posicionamento em relação à recente restrição da publicidade das bebidas alcoólicas?
KLOTZ ? A restrição à bebida alcoólica está prevista na Constituição. Mas acho que a educação também ajudaria neste caso. Sou meio suspeito para responder a essa pergunta, pois eu não proibiria nada. Sou um democrata. É um direito de expressão que está sendo prejudicado neste caso. Quer dizer que o governo é contra o direito do outro de se comunicar, de falar. Mas como eu não bebo um gole de álcool, para mim, particularmente, não faz diferença nenhuma.

DINHEIRO ? Mudando um pouco o foco para o desempenho das indústrias, de que forma a baixa do dólar mexeu com o setor?
KLOTZ ? O setor de alimentos está muito fortalecido porque existe um mercado pujante no Brasil. Tivemos bons resultados como um todo e, particularmente, no setor de produtos industrializados. Estamos aumentando as exportações de ano a ano. Apesar do dólar baixo, ainda não perdemos o ponto, até porque as empresas demoraram muito a conquistar o mercado e elas não querem largar. Estão atendendo os contratos de qualquer maneira. Exportamos US$ 23 bilhões em 2006 e para este ano a previsão é de mais de US$ 25 bilhões. Nossos produtos já estão alcançando diretamente as prateleiras no Exterior. São mais de 60 países que já importam diretamente.

DINHEIRO ? E quanto ao mercado interno?
KLOTZ ? Este ano, a reação foi muito boa. As dificuldades de importação de matéria-prima para os produtos ficaram menores com a baixa do dólar. Hoje, não temos fornecedores no mundo, salvo as nossas próprias indústrias, para abastecer um país como o Brasil. Nesse ponto, estamos relativamente sossegados. Nenhuma China nos assusta. Pelo menos, por enquanto.

DINHEIRO ? Onde o País precisa investir mais?
KLOTZ ? Em infra-estrutura. Energia elétrica, estradas para escoamento e distribuição, portos.

DINHEIRO ? Como está a capacidade instalada das empresas hoje?
KLOTZ ? Por enquanto, existe uma folga. Usanmos cerca de 80% da capacidade instalada. Mas com o fortalecimento do mercado, precisaremos ampliar logo com expansões ou novas fábricas. Nosso pessoal está investindo nisso.