Mudanças regulatórias e a chegada de um novo concorrente aqueceram nas últimas semanas o mercado das drogas agonistas do GLP-1, remédios para tratamento de diabetes e obesidade popularmente apelidados de “canetas emagrecedoras”. Desde o anúncio de que será obrigatória a retenção de receitas na venda dos medicamentos, houve um crescimento na procura.

Em 24 de abril, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) oficializou a obrigatoriedade de retenção das receitas a partir do dia 23 de junho. Até lá, é possível adquirir os fármacos com uma receita simples em qualquer farmácia.

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“A gente ouviu de estabelecimentos que houve uma procura frenética pelo medicamento antes da virada da legislação, que é um impacto direto da publicação [da mudança de norma]”, conta o farmacêutico Jauri Siqueira, head Comercial e de Soluções da Interplayers Saúde, que presta serviços de tecnologia para diversas drogarias.

Corrida às farmácias

Na semana após o anúncio de que a retenção de receitas seria obrigatória, a endocrinologista Alessandra Rascovski afirma ter recebido entre 15 e 20 ligações de antigos pacientes por dia. Eram pessoas que tinham iniciado o tratamento e seguido com automedicação sem supervisão.

“Eles emagreciam, o apetite diminuía, e eles paravam de fazer o acompanhamento. Agora, com a ordem da receita, eles voltaram a ligar”, conta a médica.

As maiores redes de farmácias do país não divulgam números sobre a venda de medicamentos, mas a IstoÉ Dinheiro ouviu relatos de usuários que anteciparam compras das canetas emagrecedoras após saberem da mudança de legislação.

Siqueira, da Interplayers Saúde, afirma que o fenômeno era esperado e compara com o esgotamento do álcool em gel nas primeiras semanas da pandemia de covid-19 no país. “Existiu uma procura muito grande, causando dificuldades de acesso para pessoas que precisam. Infelizmente, sempre que há uma um anúncio de restrição, a gente vê esse fenômeno de aquisição e de estoque”, analisa.

A chegada do Mounjauro

No começo de maio, a lançamento oficial ao país do Mounjaro, agonista do GLP-1 mais potente do mercado, também movimentou o mercado. O medicamento até então era vendido apenas no exterior. Consumidores que já haviam comprado Ozempic e Wegovy chegaram a receber pelo celular notificações das farmácias sobre o remédio.

A médica Alessandra Rascovski ouviu relatos de pessoas que estocaram os medicamentos. “Um paciente contou feliz pra mim que tinha decidido já comprar 15 caixas de Mounjaro”, recorda.

Duas semanas após seu lançamento oficial, a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e Wegovy, anunciou redução nos preços dos seus produtos. A novidade também foi divulgada pelos aplicativos das grandes redes de drogarias.

A Novo Nordisk negou que o barateamento das medicações esteja associada à chegada do concorrente ou ao início de retenção de receitas. “A medida visa combater o uso crescente de produtos irregulares, manipulados ou falsificados, que representam riscos à saúde”, afirmou o vice-presidente de marketing cardiometabólico na Novo Nordisk, Sandy Lourenço.

Venda sem receita já é proibida

Sob a regra atual da Anvisa, os agonistas do GLP-1 já necessitam de receita para serem comercializados. No entanto, sem a retenção do receituário, muitos usuários utilizam a mesma prescrição para comprar em diferentes estabelecimentos ou até falsificam receitas. Há ainda farmácias que vendem sem pedir a indicação médica.

Siqueira explica que a retenção adiciona uma camada de proteção contra as diversas fraudes.

“Os atendentes de farmácia vão proceder como já ocorre com antimicrobianos ou antibióticos. Tem de receber a receita em duas vias e carimbar, reter uma. Após isso existe um trâmite de prestação de contas para o órgão regulador, a Anvisa, através do SNGPC [Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados], com os dados do prescritor.”

No anúncio da decisão, o diretor-presidente substituto da Anvisa, Rômison Rodrigues Mota, explicou que os usos irregulares estão no cerne da mudança de regulação. “Estamos falando de medicamentos novos, cujo perfil de segurança a longo prazo ainda não é totalmente conhecido. Por isso, é fundamental o monitoramento e a vigilância”, disse.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) também é favorável ao novo regulamento e havia solicitado que a Anvisa adotasse a medida. “A mudança fortalece a segurança do paciente, melhora a rastreabilidade terapêutica e valoriza o papel do médico na promoção do uso racional dos medicamentos”, afirma Bruno Leandro de Souza, conselheiro federal e coordenador da Câmara Técnica de Endocrinologia e Metabologia do órgão.

Riscos da automedicação

O primeiro risco de usar o medicamento sem acompanhamento está na ineficácia do tratamento, inclusive quando se trata de fins estéticos. A endocrinologista Alessandra Rascovski relata uma paciente em busca de emagrecimento que, ao aparecer para uma consulta no último mês, pesava o mesmo que um ano atrás, devido ao uso descontinuado e sem acompanhamento.

Já os impactos na saúde podem ser duradouros. “Muitas vezes a pessoa vai prender o intestino demais, ou vai desenvolver uma hemorroida, ou outros quadros que vão levar a meses de desconforto”, explica.

Por fim, o uso da medicação para fins puramente estéticos causa escassez para pessoas obesas ou com diabetes que realmente necessitam do tratamento. O CFM celebra então a decisão da Anvisa por “direcionar o estoque para quem realmente precisa”.

Ozempic, Wegovy, Mounjaro

Os agonistas do GLP-1 (ou agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon) são uma classe de medicamentos usados no tratamento do diabetes tipo 2 e, em alguns casos, para perda de peso. Eles imitam a ação de um hormônio natural, o GLP-1, reduzindo a glicose no sangue e aumentando a sensação de saciedade.

O Ozempic e o Wegovy, fabricados pela Novo Nordisk, são a mesma substância: a semaglutida. Sua comercialização foi aprovada pela Anvisa em 2018 e iniciada em 2019. Nos últimos três anos, no entanto, sua popularidade cresceu associada ao uso para perda de peso estética.

Já o Mounjaro chega ao país apenas neste ano. Tem como base a tirzepatida, substância que diferente da semaglutida imita a ação de dois hormônios intestinais: o GLP-1 e o GIP (peptídeo inibidor gástrico). Assim, pesquisas apontam um efeito mais intenso do que nos outros medicamentos.