02/08/2022 - 23:28
A dura retórica da China pela visita a Taiwan da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, reflete a profunda insegurança de Pequim diante da mudança de postura de Washington com a ilha, disseram analistas à AFP.
A legisladora de 82 anos chegou a Taipé na terça-feira à noite e partiu nesta quarta-feira, tornando-se a principal autoridade americana a visitar a ilha em 25 anos.
Antes de sua chegada ao aeroporto de Songshan, Pequim usou uma linguagem cada vez mais belicosa, ameaçando “consequências” e exibindo seu poderio militar.
A China organizou exercícios com munição real no fim de semana no Estreito de Taiwan, quando Hu Xijin, ex-editor do tabloide nacionalista Global Times, sugeriu que Pequim poderia “desviar à força” o avião de Pelosi ou até “derrubá-lo”.
Mas analistas disseram à AFP que por trás das declarações está a insegurança. As autoridades chinesas se sentem ameaçadas pelo que consideram um esforço crescente dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais para se aproximar de Taiwan e promover sua independência.
Ao mesmo tempo, o presidente chinês Xi Jinping tenta projetar força contra os Estados Unidos, seu principal rival militar e econômico, antes de uma reunião importante neste ano, na qual deve garantir seu terceiro mandato como chefe de Estado.
– Demonstração de força –
Na semana passada, Xi alertou por telefone ao colega americano Joe Biden que Washington não deve “brincar com fogo” em relação a Taiwan.
A mensagem agressiva serviu para reforçar a imagem interna do líder chinês antes do XX Congresso do Partido, quando ele será reeleito presidente, disse Steve Tsang, diretor do Instituto SOAS China de Londres.
“Como um líder forte, a última coisa que ele quer é dar qualquer sinal de fraqueza”, afirmou Tsang à AFP.
Exacerbar o sentimento nacionalista também serve como uma distração da desaceleração econômica da China e da impaciência da população com as duras restrições da covid-19, que afetaram o que deveria ter sido um ano de júbilo para Xi.
“Para o Partido Comunista Chinês há dois pilares de legitimidade: crescimento econômico e nacionalismo”, disse à AFP Willy Lam, analista político chinês de Hong Kong.
Manchetes e mensagens agressivas sobre Taiwan “desviaram a atenção do público chinês dos problemas econômicos”, segundo ele.
– Em apuros –
Há também frustrações profundas em Pequim sobre as mudanças de atitude de Washington em relação a Taiwan.
A China considera a ilha autônoma como parte de seu território e prometeu retomá-la um dia, mesmo que à força.
Para Pequim, Washington se tornou mais proativa em sua aproximação com Taiwan, o que vê como uma ameaça aos seus interesses, de acordo com Li Mingjiang, professor associado de Relações Internacionais da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.
Muitos na China sentem que Washington se torna cada vez mais “favorável à independência de Taiwan”, indicou Li à AFP.
Diplomatas chineses reclamaram que os Estados Unidos deixaram de honrar o que para eles é um princípio vinculante de suas relações, a política de “uma China”, e denunciam a venda de armas a Taipei.
Xi está “cada vez mais impaciente e irritado com o fato de que nos últimos anos altos funcionários (…) não só dos Estados Unidos, mas também do Japão, União Europeia e outros, visitaram Taiwan”, afirma o analista Lam.
– Plano B de Xi –
As visitas, somadas à agenda separatista do governante Partido Democrático Progressista de Taiwan, faz com que a elite governante chinesa não veja “a questão de Taiwan de forma positiva”, destaca Li.
Ele considera que as autoridades chinesas recorrem a uma retórica incendiária para “dissuadir o desenvolvimento das relações” entre China e Taiwan e entre Washington e Taipei.
Apesar do tom agressivo, poucos acreditam que Pequim busca agora um conflito militar ativo contra os Estados Unidos e seus aliados por Taiwan.
“A última coisa que Xi quer é o início uma guerra acidental”, de acordo com Titus Chen, professor associado de ciência política da Universidade Nacional Sun Yat-Sen, em Taiwan.
“O plano B de Xi seria explicar, com o sistema de propaganda e controle (do Partido Comunista Chinês), a sensação de constrangimento e humilhação para Pequim que a visita de Pelosi traz”, disse Chen.
