02/03/2022 - 8:27
Fome na Colômbia? Uma agência da ONU sugeriu isso, provocando revolta no governo. Alheia à polêmica, em sua casa de latão, Heidy Garzón se angustia: ela não sabe se hoje seus filhos poderão ter três refeições.
“A fome é terrível! É terrível sentir fome e não poder fazer nada, é muito difícil”, desabafa esta mulher de 38 anos, mãe solteira de nove filhos.
Assim como a maioria de sua família, Garzón vive no alto de Ciudad Bolívar, comunidade onde moram pessoas pobres e deslocados pela violência no sul de Bogotá. Com sorte, eles conseguem fazer duas refeições.
Quando a AFP visitou-a, ela e oito de seus filhos – uma adolescente de 17 anos não mora com eles – tinham “comido, de café da manhã, e almoçado, um pouco de chocolate, arepa (nr: pão típico do país) e ovo”.
Os gêmeos de dois anos não desgrudam de suas pernas, enquanto os demais beliscam uma manga que ganharam de presente de um verdureiro.
Já de noite, a mulher se arruma para ir de mercado em mercado para pedir a comida que sobrou, ou ajuda a quem encontrar pelo caminho.
“É difícil acordar todos os dias e dizer ‘bom, o que vamos fazer hoje, se não há nada?’ (…) A gente se sente impotente, quando as crianças dizem que sentem fome”, afirma.
A Associação de Bancos de Alimentos da Colômbia, que reúne 20 destas organizações sem fins lucrativos, deu números ao problema invisibilizado da fome em um país produtor de alimentos: dos 50 milhões de habitantes, 21 milhões estão na pobreza, e 16 milhões comem duas ou menos vezes por dia.
E, o que é ainda pior, por ano são “9,7 milhões de toneladas (de alimentos) desperdiçadas”, protesta o diretor do Banco de Alimentos de Bogotá, sacerdote Daniel Saldarriaga.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) acenderam mais um alerta: 7,3 milhões de colombianos estão “em situação de insegurança alimentar” e vão precisar de assistência no próximo ano.
O governo rechaçou estas conclusões por falta de “validade e credibilidade” e pediu à FAO para excluir a Colômbia do mapa de “pontos críticos” para a segurança alimentar no mundo.
– “Revirar comida” –
Parte dos 47% da população que vive na informalidade, com um ou outro bico por dia, Garzón mora com os filhos em uma casa de chapas de metal e chão de terra, com um único cômodo e seis camas.
Dentro da casa, eles penduram as roupas, e há uma divisória improvisada com cortina, atrás da qual ficam o chuveiro e o vaso sanitário.
A água corre de uma tubulação até a pia da cozinha. Um aquecedor a gás serve de cozinha junto com uma geladeira velha desligada que serve de armário. Garzón toma cuidado para manter a porta do refrigerador fechada para evitar que os ratos revirem um prato de massa do dia anterior.
Apenas a risada das crianças alivia a extrema pobreza desta casa. Garzón, com sua jaqueta acolchoada e calças de pijamas, fica satisfeita que pelo menos todas as crianças “tenham saúde neste momento”.
No topo do morro de Ciudad Bolivar, o frio é glacial. Nenhum ônibus sobe até lá. À frente, a seus pés, a cidade de oito milhões de habitantes parece um universo em expansão.
Há vários meses, Heidy e sua família não receberam ajuda do Estado. Seu rosto se fecha quando ela volta ao assunto. Eles, as autoridades, “deveriam pelo menos vir de casa em casa ver quem precisa e quem não precisa”.
Sem subsídio garantido, precisa se virar com os trabalhos que consegue esporadicamente, seja de limpeza, seja em uma obra da construção civil. Para isso, recebe uma diária de 20.000 pesos (cerca de US$ 5).
A inflação, que chegou a 5,6% em 2021 e afeta especialmente os alimentos, agrava sua situação.
“Quando não tem trabalho, saímos com as crianças para revirar comida na rua”, relata Garzón, esperando a boa vontade dos pedestres.
Pela falta de recursos para comprar uniformes, nenhum de seus filhos vai à escola. Em suas caminhadas em busca de comida, ou de dinheiro, alguns deles andam ao lado da mãe, enquanto os rapazes de 20 e 18 anos se revezam na vigilância da casa.
“Sou a única pessoa que eles têm. Tento parecer forte (…) e dar a eles uma segurança de que estamos bem, de que hoje, sim, vai ter algo para comer”, emociona-se a mãe.
