05/06/2002 - 7:00
Este é um raro caso em que milhares de palavras causam
tanto impacto quanto horas de imagens, transmitidas ao vivo, via satélite, para milhões de pessoas ao redor do mundo. Elas contam uma história dramática, transcorrida em exatos 102 minutos. São os 6.120 segundos finais das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. O dia é 11 de setembro de 2001 e todos sabem o que aconteceu. Às 8h46 (horário de Nova York) um Boeing 767 da American Airlines chocou-se contra o prédio Norte do WTC, abrindo um rombo entre os andares 94 e 98. Dezesseis minutos depois, o nariz de outro Boeing, este da United Airlines, rompia as vidraças da Torre Sul, praticamente devastando seis andares, do 78º ao 84º. Explosões, fumaça, fogo… Cada um levará para sempre o espanto de ver os dois monumentos do poder econômico sendo transformados em pó. E era apenas uma visão parcial, exterior, do drama de quase 3 mil vítimas fatais do maior atentado terrorista da história. O que aconteceu lá dentro parecia destinado a ser um segredo soterrado para sempre sob os
escombros das duas magníficas estruturas de aço. Uma minuciosa crônica do desespero no coração do WTC veio a público, no entanto, na semana passada, em letras pretas impressas sobre o papel branco das páginas do The New York Times. Minuto a
minuto, o jornal reconstitui jornadas heróicas, golpes do destino, trágicas esperas por socorro. Juntando peças miúdas de informação colhidas nos depoimentos de sobreviventes, amigos e familiares das vítimas, gravações de conversas telefônicas, e-mails e mensagens deixadas em caixas postais, a equipe do Times montou um
quebra-cabeças devastador em intensidade e humanidade ? algo
que nenhuma polícia técnica, com seus equipamentos mais avançados, jamais conseguiria.
Há drama em simples frases, como a pergunta ?Alguma novidade aí fora??, hoje friamente registrada numa caixa de correio eletrônico. A mensagem, disparada de um ponto nas alturas da Torre Norte do WTC, tinha tom de esperança e angústia naquele 11 de setembro. Perto dali, um executivo usava um telefone celular. Calmamente, lembrava a esposa sobre suas apólices de seguro de vida, antes de dizer que o chão estava ruindo sob seus pés. Foi ali, onde Manhattan ficava mais perto do céu, que o inferno foi mais intenso. Segundo o levantamento do Times, nos19 andares mais altos da Torre Norte e nos 33 pisos superiores da Torre Sul ? acima, portanto, do ponto de colisão dos dois aviões ? estavam 1.946 (69%) dos 2.823 mortos na catástrofe. A equipe do jornal estima que cerca de 1.100 pessoas sobreviveram ao impacto inicial. São os protagonistas dos 102 minutos de agonia. Destas, 353 pessoas conseguiram contatar alguém do lado de fora. Cinco jornalistas do Times visitaram a casa de cada um deles, ouviram seus familiares, checaram até mesmo os horários de ligações feitas do WTC nas contas telefônicas. Com base nelas, conseguiram documentar 406 momentos em que gente de dentro dos andares superiores das torres gêmeas conseguiu comunicar-se com o mundo exterior. Também ouviram nada menos que 15 horas de fitas de conversas feitas via rádio por policiais e bombeiros que atuavam dentro dos prédios, na inacabada operação de resgate. Por fim, assistiram a 20 vídeos ? profissionais e amadores.
De tão meticuloso, o trabalho conduz a detalhes chocantes. Nas imagens, os jornalistas contaram pelo menos 37 pessoas saltando, em desespero, do alto da Torre Norte. Não conseguiram, porém, visualizar um único corpo caindo da Torre Sul. A explicação, encontraram nas centenas de testemunhos involuntariamente deixados gravados por aqueles que, em contato com o exterior, despediam-se da vida ou clamavam por socorro. Havia três vezes mais gente aprisionada na Torre Norte que em sua gêmea. O volume de fumaça e a intensidade do calor eram semelhantes, mas na Torre Sul um fator mantinha o cenário menos asfixiante e desesperador: lá, havia maior mobilidade entre os andares, favorecendo a hipótese de fuga do inferno. Stanley Praimnath, funcionário do Fuji Bank, é testemunha, viva, desse fato. Ele trabalhava no 81º andar da Torre Sul. Chegou a descer ao lobby do edifício logo depois que o prédio vizinho foi atingido, mas a equipe de segurança ? totalmente incapaz de prever a repetição de ato tão inacreditável ? convenceu-o de que mais seguro seria ficar em seu próprio escritório até que as equipes de resgatem terminassem o trabalho ali ao lado. Acabou sobrevivendo por centímetros e por segundos. Ao ver o Boeing da United se aproximar da janela, lançou-se sob sua mesa de trabalho. Pedaços da fuselagem do jato foram parar ao alcance de sua mão. Sua sorte não terminara ali. Prainmath ficou imóvel, impotente, até que ouviu um grupo fazer uma espécie de assembléia a poucos passos de distância ? munidos de lanternas, outros sobreviventes discutiam que direção tomar em busca de salvação. Clamou por socorro e foi atendido. O grupo dividiu-se. Parte dele subiu. Prainmath seguiu com os que desceram. Era o rumo da vida.
Derradeiro breakfast. Quem estava na Torre Norte sequer teve essa opção. Todas as escadas acima da zona de impacto do avião ficaram inacessíveis. Steve McIntyre, funcionário da American Bureau of Shipping, no 91º andar, esteve na fronteira entre a vida e morte. Acima dele, havia, de acordo com o Times, 1.344 pessoas vivas, muitas sem sequer um arranhão. Ele pôde ouvir seu clamor por ajuda, mas não tinha como subir para socorrê-los. Toneladas de aço, fogo e fumaça bloqueavam todas as passagens. Ele se safou. Quem estava mais para o alto, não. No topo do edifício ficava o luxuoso restaurante Windows of The World, cujas mesas, mesmo no café da manhã, eram sempre disputadíssimas pelos executivos que ali trabalhavam. Não foi diferente no dia do último breakfast do local ? também o primeiro para Neil D. Levin, recém-contratado como diretor-executivo da Port Authority of New York and New Jersey, entidade proprietária dos prédios. Ele devia reunir-se com um amigo banqueiro, outro premiado pelo destino. O amigo pegou o elevador errado e teve de descer novamente ao lobby segundos antes do atentado. Levin esperou calmamente. Às 8h44, foi cumprimentado por dois subordinados, Michael Nestor e Richard Tierney, que deixavam o restaurante a caminho dos escritórios, andares abaixo. Foram as duas últimas pessoas a sair com vida do Windows. Apenas dois andares abaixo ocorreu um dos maiores dramas corporativos da história: todos os funcionários da corretora Cantor Fitzgerald que lá estavam naquela manhã morreram, praticamente riscando do mapa a maior operadora de títulos dos Estados Unidos. Ali, Andrew Rosemblum gastou seus últimos minutos em um ato de solidariedade. Ainda sem saber a dimensão da tragédia, ligou para sua mulher, Jill. Disse que estava bem e pediu a ela que pegasse lápis e papel. Jill estava na cozinha, a tevê ligada nas imagens de Manhattan em chamas. À medida que o marido ditava, anotou nome e telefone de cerca de 50 colegas de Rosemblum na Cantor. Sua missão: ligar para as famílias de todos e dizer que eles estavam a salvo, embora ilhados no 104º andar da Torre Norte. Eram 9h01, exatos uma hora e 27 minutos antes do colapso total do prédio. Com a ajuda de amigos, Jill cumpriu a tarefa, a última vontade do marido.
A reportagem reavivou a comoção dos nova-iorquinos, já acostumados com a lacuna do WTC na paisagem da cidade. Tão intensa quanto há oito meses também é a sensação de insegurança na cidade, despertada pelos alertas, feitos pelo governo americano, de possíveis atentados a monumentos públicos. Fechada para visitação desde 11 de setembro, a Estátua da Liberdade foi reaberta na semana passada em clima de paranóia. Desde segunda-feira 27, todos os turistas que por lá passarem serão fotografados e terão seus rostos comparados com as faces de suspeitos de terrorismo. É quase um aviso de que visitantes não são bem-vindos. Pelo menos enquanto os EUA se sentirem amedrontados.