Peço perdão a você, leitor, por dedicar a um assunto de foro íntimo a última análise que escrevo este ano para o site da DINHEIRO. Mas não poderia encerrar 2021 sem dar a minha versão para um assunto que, à minha revelia, se tornou objeto de discussão no Congresso Nacional: a “live” que fiz em 19 de maio de 2020 com o empresário Carlos Wizard Martins, àquela altura também ele colunista da DINHEIRO.

Quando nossa conversa, ao vivo, foi exibida, Wizard estava em Brasília, prestes a ser nomeado pelo então ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello,  para um cargo de coordenação logística na compra de insumos e equipamentos hospitalares como respiradores, itens necessários aos pacientes de Covid-19 com dificuldades respiratórias. Wizard e Pazuello se conheceram em Roraima, durante o período em que o empresário famoso pelas escolas de inglês e por ser dono de redes de varejo e alimentação se mudou para lá com a esposa. Sua missão pessoal era o acolhimento de refugiados venezuelanos que chegavam ao Brasil em busca de trabalho e renda. Enquanto Wizard fazia sua parte do lado de cá da fronteira por convicção religiosa, Pazuello seguia as determinações do Exército brasileiro. A confiança mútua daqueles tempos foi reafirmada no convite para que o empresário emprestasse sua visão negocial na intermediação de contratos que o ministério precisaria fazer. Wizard topou.

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Àquela altura, não havia vacina capaz de imunizar a população contra o coronavírus. A pandemia avançava enquanto as autoridades sanitárias, no Brasil e no mundo, tateavam possíveis tratamentos. Donald Trump, ainda presidente dos Estados Unidos, havia feito sua aposta na cloroquina e na hidroxicloroquina, ambos indicados para o tratamento da malária e sem comprovação científica sobre os efeitos em pacientes de Covid-19. Jair Bolsonaro seguiu Trump, ou o lobby dos fabricantes, e tratou de incentivar o uso desses medicamentos, ainda que sem qualquer base científica.

Na entrevista que fiz com Wizard, ele afirmou que o governo iria “forrar” o Brasil de cloroquina e de hidroxicloroquina. Convém lembrar que foi apenas dias depois, em 25 de maio, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu os testes relacionados ao uso das duas drogas no tratamento da Covid-19. A decisão foi tomada após uma investigação associar os remédios a um maior risco de morte em pacientes infectados pelo coronavírus.

A fala do empresário naquela conversa foi resgatada mais de um ano depois, quando uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) se instalou no Senado Federal para apurar responsabilidades no insucesso da estratégia de proteção de vidas adotada pelo governo brasileiro no âmbito da pandemia. A minha imagem apareceu no noticiário e na própria CPI. Não fui convocado a depor, e pouco teria a acrescentar. Mas Wizard foi. E preferiu o silêncio. É uma pena que a oportunidade de esclarecer os fatos tenha sido desperdiçada.

Após seis meses de atividades, a CPI da Pandemia aprovou, em 26 de outubro de 2021, seu relatório final com texto do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ele pediu o indiciamento de 81 pessoas. Apontado como “participante do gabinete paralelo”, Carlos Wizard Martins foi indiciado em dois artigos: 267, § 1º (epidemia com resultado morte); e 286 (incitação ao crime), ambos do Código Penal. O meu trabalho como jornalista foi apenas um dos inúmeros fatores que pesaram na decisão dos integrantes da CPI. Testei positivo para Covid em outubro de 2020. Jamais tomei cloroquina.