Em entrevista à imprensa na noite da última quinta-feira, 29, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que não houve consenso entre os países do G-20 para elaborar um comunicado conjunto sobre o evento, que reuniu ministros de finanças dos bancos centrais do bloco, em São Paulo.

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Segundo Haddad, houve entendimento em temas específicos trabalhados na trilha financeira, mas a falta de consenso recaiu quanto à referência sobre conflitos geopolíticos.

“No que diz respeito à trilha financeira, houve consenso em tudo o que nós tratamos. Nós não discutimos temas dos conflitos geopolíticos em nossas reuniões. Isso não foi trazido para discussão em plenário. E aí fica muito difícil quando os ministros e os presidentes dos Bancos Centrais não participam da discussão, chegar a um consenso sobre um tema que não era e não foi tratado no âmbito da trilha financeira”, disse o ministro.

Haddad acrescentou que deverá ser publicado em breve um documento no site do Ministério da Fazenda, já que o Brasil ocupa a presidência do bloco neste momento.

“Vamos divulgar aquilo que seria consenso da trilha financeira no site do Ministério nas próximas horas. Isso está fechado e seria assinado se não fosse a insistência de alguns membros do G20 de fazer constar uma nota, que seria até de rodapé, que não comporia o corpo do comunicado, fazendo referência a essas questões sobre as quais houve uma certa insistência”, afirmou.

Ainda para o ministro, os conflitos geopolíticos que geraram impasse deveriam ter sido tratados nos eventos diplomáticos e não na trilha financeira.

“Esse comunicado da presidência é a expressão consensual daquilo que foi discutido no âmbito do fórum ao qual pertencemos. Nós havíamos nutrido a esperança de que temas mais sensíveis relativos à geopolítica fossem debatidos exclusivamente no track diplomático. Imaginávamos que essa divisão de trabalho pudesse acontecer. Mas como na reunião da semana passada, no Rio de Janeiro, não se chegou a uma redação comum, isso acabou contaminando o estabelecimento de um consenso na nossa, se tornou quase uma impossibilidade lógica. Se não foi possível lá, dificilmente iríamos chegar a uma solução satisfatória aqui”. acrescentou Haddad.

Tributação de grandes fortunas

O ministro da Fazenda disse ainda que o Brasil espera concluir a presidência no G20, que termina em novembro deste ano, tendo encerrado os pilares 1 e 2 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico (OCDE).

Os dois pilares tratam da distribuição dos direitos de tributação sobre os lucros das multinacionais entre os países e o estabelecimento de uma tributação mínima global para essas empresas globais.

“Nossa intenção é abrir um horizonte de discussões que passem por temas que não foram tratados”, falou Haddad aos jornalistas.

Durante a realização do G20 em São Paulo, Haddad chegou a propor um terceiro pilar: a tributação sobre os bilionários.

“Como os dois primeiros pilares, haverá muito debate a respeito disso [pilar 3], o que é absolutamente natural, até porque nem todo país sente da mesma maneira esse problema que foi trazido pelo G20 pelo Brasil. Há países bem equacionados em relação a isso e que não sofrem com a falta de regras internacionais sobre tributação. Em geral, [são] os países muito ricos”, explicou.

BCE: Crescimento ainda é foco de preocupação

O dirigente do Banco Central Europeu (BCE) e presidente do BC da Itália, Fabio Panetta, disse após a reunião do G-20 que a inflação global está caindo rapidamente, enquanto o crescimento econômico se manteve resiliente e avançou acima do esperado. Contudo, ele lembrou que há uma preocupação generalizada com relação ao ritmo de crescimento das economias, que classificou como “insatisfatório” e “heterogêneo” entre os países.

Os comentários foram feitos em entrevista, ao lado do ministro das Finanças da Itália, Giancarlo Giorgetti. Questionado sobre a inflação italiana, Giorgetti comemorou os números recentes, mas alertou que ainda não é hora de revisar o PIB diante do ambiente global desafiador.

Divergências

A divergência em torno de uma palavra não permitiu que a reunião de autoridades monetárias de todo o mundo terminasse com um comunicado conjunto. Segundo apurou o Estadão, o impasse ocorreu no trecho “war on Ukraine” (guerra sobre a Ucrânia) ou “war in Ukraine” (guerra na Ucrânia).

A Rússia defendia a última expressão enquanto os países mais ricos ocidentais do bloco brigaram pela primeira. As economias mais desenvolvidas também não queriam mencionar Israel no conflito com o Hamas, e defendiam que houvesse uma citação apenas à crise em Gaza.

“Chegou uma hora em que o impasse era tão pequeno que dizia respeito a uma palavra”, afirmou o ministro, que não revelou qual era o termo. No entanto, reconheceu Haddad, “chega uma hora que a reunião termina”. Haddad não citou quem estava irredutível.

Publicamente, o ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, declarou mais de uma vez que o país não assinaria o comunicado se não houvesse citação das guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia.