anamaria_01.jpg

Ana Diniz: “É como se eu largasse um filho que ajudei a ressuscitar no último momento”

 

Eram 17 horas do dia 12 de fevereiro e a empresária Ana Maria Diniz, uma das herdeiras do Pão de Açúcar, maior rede de supermercados do País, recebe um jornalista em sua sala. O cumprimento é breve e vem acompanhado por um aviso: ?Não sei se falaram para você, mas só tenho 30 minutos?. Não, não haviam falado, mas seria necessário um tempo a mais para uma sessão de fotos. ?Fotos? Não tenho tempo para isso. Vocês têm fotos minhas no arquivo e podem usá-las.? Sim, havia fotografias no arquivo, mas eram antigas. Além disso, a fotógrafa não consumiria mais do que 10 minutos. ?Tudo bem, mas só uma foto.?

A tensão estava estampada na pele pálida de Ana, no rosto sem maquiagem e na alteração do tom de voz. Com a agenda carregada e dividida entre os novos negócios e a transição no Pão de Açúcar, ela não escondia a irritação com cada novo compromisso. Ana Maria está entrando em uma nova fase de sua vida. A partir de março, os membros da família deixam os cargos operacionais do grupo e recolhem-se ao conselho de administração. A cadeira de Abílio Diniz será ocupada pelo executivo Augusto Cruz. Três comitês (de finanças, de auditoria e de marketing) serão responsáveis pelas principais políticas da empresa. Apenas 10% de seu tempo, estima Ana, será consumido pelo Pão de Açúcar. O restante, ela dedicará à Axialent, uma consultoria em desenvolvimento de recursos humanos que está trazendo dos Estados Unidos, numa sociedade com o investidor Carlos Alberto Sicupira.

Ana descreve o negócio profissionalmente. Discorre sobreos benefícios do método, as bases conceituais, o público a que se destina. Quando a conversa desloca-se para o Pão de Açúcar, sua disposição muda. A eloqüência vai substituindo a reticência inicial. O tom é mais apaixonado, menos profissional. ?Minha sensação é de ver um filho atravessando a rua sozinho pela primeira vez?, compara ela. As mudanças atingem toda a família, mas ninguém as sentirá tão profundamente como Ana. Abílio carrega em sua biografia a impressionante recuperação do Pão de Açúcar ao longo dos anos 90. O filho João Paulo dedica-se há anos a diversos negócios paralelos, como restaurantes e fábrica de bebidas. Ana Maria, não. Nos últimos 11 anos ela se preparou dia após dia para assumir o comando da rede fundada por seu avô Valentim Diniz na década de 40. Dentro da sede da empresa, um conjunto de prédios antigos reformados e unidos por corredores sinuosos, não havia dúvidas de que ela era a escolhida para a missão. Quando estava a um passo de ingressar na sala até agora ocupada pelo pai, as portas se fecharam bruscamente.

Ana não disfarça a frustração. ?É como se eu abandonasse um filho que ajudei a ressuscitar no último momento?, diz ela. Como mãe zelosa, ela no fundo parece acreditar que um dia o filho volte a seus braços. ?Não trabalho com essa hipótese?, afirma ela, para em seguida completar. ?Mas se acontecer, aconteceu. Mas seria apenas no caso de uma crise, por um período limitado de tempo.?

 

anamaria_02.jpg

Anúncio das mudanças: Relação de admiração e divergências com o pai

 

A entrevista é interrompida pela secretária. Há uma reunião à espera de Ana Diniz. Ela fala por mais alguns minutos, sempre agitando freneticamente as mãos. ?Não acredito na presença de familiares na gestão das empresas. Nos Estados Unidos, houve um movimento de retorno dos acionistas ao dia-a-dia das corporações em função dos escândalos corporativos. Está sendo um caos?, afirma. O contraponto, no entanto, vem rapidamente. ?A não ser em um momento de crise, aí pode até ser.?

Ana levanta-se e caminha em direção à porta, enquanto ordena. ?Vocês preparem tudo para a fotografia. Quando estiver pronto eu saio da reunião por alguns minutos e fazemos a foto.? Ana não comenta, mas o encontro é familiar. Até Pedro Paulo, o ex-piloto de Fórmula 1, está presente. Essas reuniões têm se repetido há mais de um ano, quando a profissionalização do grupo entrou na pauta familiar. No início de 2001, Ana passou uma curta temporada em Harvard, onde participou de um curso para sucessores. Ao retornar, começou a fase de preparação para que os membros do clã migrassem do papel de executivos para o de acionistas. Um professor da universidade americana, John Davies, especializado no assunto, atuou como consultor. A própria Ana buscou outro apoio externo, uma espécie de ?analista empresarial?, um psicólogo especializado em orientação profissional.

Não houve diferenças em relação à necessidade de profissionalização. ?Há 11 anos, quando Ana chegou, o Pão de Açúcar tinha um faturamento equivalente a R$ 3 bilhões. Hoje esse número é de R$ 12 bilhões?, diz um executivo do setor. ?É um porte que requer mais transparência, mais profissionalismo.? Pai e filha discordaram em um ponto. Ana pretendia que a transição acontecesse em alguns anos. Abílio tinha outra idéia ? para ele, a entrega do bastão para um profissional deveria acontecer o quanto antes. Coube a ele comunicar a decisão à filha. Foram conversas tensas em que duas personalidades fortes se defrontaram.

Sempre houve entre os dois uma relação de admiração e conflito. Ana foi peça-chave na recuperação da rede. Enquanto Abílio dedicava-se a redesenhar a operação do Pão de Açúcar, Ana mergulhou na tarefa de dar uma virada na imagem da rede. Os consumidores a viam como careira e desatenta ao bom atendimento. Ambos, pai e filha, tiveram sucesso em suas empreitadas, mas os embates entre opiniões diferentes eram constantem entre os dois. Nessa trajetória, Ana ganhou dentro da organização um brilho só comparável ao do pai.

Por isso, a notícia de que ela não assumiria o trono máximo
provocou surpresa dentro e fora da companhia. ?Essa decisão só se explica se for a preparação para algum tipo de mudança acionária?, diz um ex-executivo. Pode ser um aumento de participação do atual sócio, o grupo francês Casino, dono de 20% do capital e de uma opção de aumento até 40%. O recolhimento da família ao conselho de administração seria o primeiro passo para esse movimento ? apesar da resistência de Ana. No dia 12 de fevereiro, a tensão estampada no rosto e nos gestos era um sinal da dura travessia na qual ela está empenhada. Ao deixar a reunião familiar para ser fotografada, não gostou de ver a sala do avô transformada em um pequeno estúdio fotográfico, queixou-se: ?Isso tudo foi muito mal planejado. Não farei foto nenhuma.? Diante do silêncio generalizado, reconsiderou. ?Uma só?, disse. Sentou-se na poltrona, pediu para que a avisassem do momento do clique para que pudesse sorrir. Depois de sete fotos, levantou-se, deu um boa noite seco e voltou para o seio da reunião familiar.