18/08/2001 - 7:00
O empresário Emílio Odebrecht vive dias de euforia. Motivos não faltam. A vitória no leilão no qual arrematou a Copene o colocou na posição de um dos maiores empresários do País. Ao contar pela primeira vez o que ocorreu nos bastidores do leilão, Odebrecht mostra como uma operação aparentemente comercial pode ser inteiramente decidida no campo político. Nesta entrevista exclusiva a DINHEIRO, Odebrecht rompe um silêncio de quase dois anos e fala sobre os interesses envolvidos no negócio que custou R$ 785 milhões.
?Muita coisa estava sendo trabalhada já pensando nas eleições de 2002?, diz ele. Só não entra em maiores detalhes devido à proximidade da escolha do novo presidente da República. ?Vou lhe dizer uma coisa: se eu falasse ou escrevesse tudo que sei tumultaria mesmo as eleições de 2002?, revela ele. A seguir, os principais trechos da conversa:
DINHEIRO ? Seus concorrentes falam em reagir à situação criada pela vitória de seu grupo no leilão da Copene…
EMÍLIO ODEBRECHT ? O Paulo Cunha é um empresário diferenciado. Eu o conheço suficientemente para saber que ele não fará algo apenas para me prejudicar. O grupo Ultra acabou de distribuir dividendos aos acionistas. Isso é uma descapitalização da empresa, que deixa de ter recursos para novos investimentos, o que significa falta de interesse em manter uma disputa no setor. Talvez pessoas físicas que tenham sido atingidas em seus objetivos pessoais reajam, mas não as empresas.
DINHEIRO ? Quem são essas pessoas?
ODEBRECHT ? Eu preferiria que você me aliviasse dessa. O importante é que o projeto da Nova Copene é de interesse
nacional. A Copene como empresa de capital intensivo precisa
ter escala, poder de barganha para comprar matéria-prima e peso para concorrer com os gigantes internacionais, como Basf, a
Dow e a Solvay.
DINHEIRO ? Os adversários dizem que o grupo Odebrecht está endividado…
ODEBRECHT ? Nós tivemos um programa de alavancagem profunda em 1998 e 1999, para concluir a expansão de nossas operações no Pólo do Rio Grande do Sul. Foi um sacrifício grande, porque estávamos contando com um programa de financiamento de longo prazo e de equity que nos foi prometido. Eu assumo a responsabilidade porque não se confia em governo, porque o governo não garante o que promete.
DINHEIRO ? O que ele prometeu?
ODEBRECHT ? Siga com os investimentos que os órgãos adequados garantem como garantem para todos.
DINHEIRO ? Quem prometeu?
ODEBRECHT ? Eu já virei a página… Mas fizemos uma ampliação no pólo gaúcho com investimentos de US$ 1,2 bilhão e o BNDES não entrou com mais de 20%.
DINHEIRO ? Quanto havia sido prometido?
ODEBRECHT ? Não é promessa. Todo projeto industrial aprovado tem 60%, 70% de financiamento do BNDES. A Odebrecht bancou esse investimento. Nós tivemos essa dificuldade e faço autocrítica, pois tomei uma decisão errada. Eu devia interromper o investimento no dia em que o compromisso não pôde ser implementado, por outros interesses. Fui ao exterior buscar os recursos e depois veio a desvalorização do real, em princípio de 1999. Se tivesse interrompido o projeto, a organização não teria enfrentado os problemas que enfrentou em 1998 e 1999.
DINHEIRO ? Qual foi a argumentação para não manter o compromisso?
ODEBRECHT ? Foram problemas de toda a natureza.
DINHEIRO ? Isso já tinha a ver com o leilão da Copene e com a irritação de Antônio Carlos Magalhães, que manifestou publicamente seu apoio ao grupo Ultra?
ODEBRECHT ? A irritação, eu posso não concordar, mas posso compreender. Eu ainda vou fazer um livro sobre isso, pois os interesses foram pesados, políticos de tudo quanto é natureza. A reação do ACM não foi a mais pesada. O problema político não era ACM. Ele disse publicamente que ia lutar contra.
DINHEIRO ? Quem era, então, o maior empecilho político?
ODEBRECHT ? Quando terminar a fase de integração dos demais ativos à Copene, eu me sinto à vontade para falar. Eu não quero tumultuar as eleições de 2002. Vou lhe dizer uma coisa: se eu falasse, tumultuaria mesmo. Se eu fosse colocar na mesa ou escrever o que foi que aconteceu de 1995 para cá… Muita coisa estava sendo trabalhada em função das eleições de 2002.
DINHEIRO ? A queda de ACM, que deu apoio público ao Ultra, favoreceu o seu grupo?
ODEBRECHT ? Para nós, a perda do mandato dele pouco influenciou. Ele tomou aquela posição pública porque nós
dissemos que entraríamos na Copene através da Copesul, a
central de matérias-primas gaúcha. Ele entendeu isso como revanchismo do governo gaúcho pela perda da fábrica da Ford
para a Bahia. Então ele não era contra a Odebrecht, mas
contra a estratégia da Odebrecht. Como entramos diretamente
como Odebrecht e Mariani, ele deu apoio, e de forma isonômica, procurou ajudar as empresas baianas.
DINHEIRO ? Como foi a ajuda?
ODEBRECHT ? A principal foi a liberação da bancada baiana para acelerar a solução para o leilão da Copene. (A bancada de deputados baianos convocou o presidente do BNDES Francisco Gros para explicar a ajuda ao grupo Ultra, o que gerou um desgaste para o banco oficial e conseqüentemente ao consórcio.)
DINHEIRO ? Mas o grupo Odebrecht teve simpatia do Palácio do Planalto….
ODEBRECHT ? Não foi simpatia, mas nada mais, nada menos, que obrigação de garantir isonomia, o que não existia de forma alguma. A postura de certos setores do governo de apoio aos nossos concorrentes foi ostensiva. Até então, concorríamos
com o próprio governo.
DINHEIRO ? O sr. espera algum apoio do governo para consolidar a nova Copene?
ODEBRECHT ? As empresas têm de definir cada vez menos
suas estratégias com dependência do governo. Inclusive no
leilão, nossa equação foi privada, ao contrário do outro
competidor. Foi, aliás, a motivação para o apoio de nossos
parceiros. Mas claro que o BNDES é peça fundamental no desenvolvimento das empresas, já que é o único banco de
fomento industrial, com juros compatíveis com os internacionais.
DINHEIRO ? A Odebrecht ainda é compradora nesse setor?
ODEBRECHT ? Nossa primeira prioridade é fazer a integração dos demais ativos e tirar as vantagens possíveis. Isso acontece até o final do ano.
DINHEIRO ? E depois?
ODEBRECHT ? Concluída essa etapa, não temos dúvida. Estaremos abertos para adquirir o que estiver alinhado com os objetivos.
DINHEIRO ? Quais seriam os alvos?
ODEBRECHT ? A Ipiranga, no Sul, e a Suzano, no Pólo de Camaçari. Isso seria concluído até o final de 2002. Depois viria a terceira etapa: novos caminhos de crescimento que passam pelo Pólo de Paulínia, pela Bolívia.
DINHEIRO ? Qual seria o perfil dessa Nova Copene?
ODEBRECHT ? Ela terá um novo nome que será anunciado nos próximos dias. Aí, concluídas as duas primeiras etapas, ela será uma das três maiores empresas industriais brasileiras em faturamento, com R$ 12 bilhões. Seria do tamanho de uma AmBev e uma Vale do Rio Doce. Seremos também o maior investidor nacional em tecnologia. Mas o Grupo Odebrecht, juntando a área de engenharia e de petroquímica, será o maior exportador do País. Nossas receitas saltarão para R$ 15 bilhões.
DINHEIRO ? As eleições presidenciais de 2002 podem prejudicar esses planos?
ODEBRECHT ? Só se começar a sedimentar um antagonismo à política econômica. Se eu fosse político, eu não reagiria à atual política econômica. Ela tem defeitos, mas tem mais qualidades.
DINHEIRO ? É um conselho para o Lula?
ODEBRECHT ? A todos os candidatos. Mesmo porque se
eles agredirem os fundamentos da política econômica, vai criar
uma intranqüilidade para os grandes grupos de investidores
nacionais e internacionais.
DINHEIRO ? Qual seria a reação do grupo Odebrecht a essa situação?
ODEBRECHT ? De precaução, e de precaução crescente. Dependendo da política econômica adotada, nós poderíamos
mudar de planos.
DINHEIRO ? E se o Lula ganhar?
ODEBRECHT ? O Lula evoluiu. O PT pode não ter evoluído tanto quanto ele. Mas não tem jeito. O comunismo não sobreviveu em lugar nenhum do mundo. Quem não colocar a liberdade e a
melhoria de qualidade de vida como pontos fundamentais
não sobrevive, será expurgado.
DINHEIRO ? Uma vitória do Lula prejudicaria seus planos?
ODEBRECHT ? De jeito nenhum. Mas, se ele sair falando em mudar os fundamentos da política econômica, em moratória, etc., não terá apoio dos empresários e da sociedade brasileira.
DINHEIRO ? Qual dos candidatos o sr. gostaria de ver no Planalto?
ODEBRECHT ? Se for o Pedro Malan, será um candidato fortíssimo. Se for o escolhido, a grande disputa será entre ele e o Lula. Isso porque está incorporada ao Malan a continuidade da política econômica. Eu vejo o nome dele com simpatia. Ele é uma pessoa séria que busca o melhor para o País, assim como acredito que o Lula também tenha condições.