A superfície da papila gustativa, extremamente sensível, envia as informações ao sistema nervoso no exato momento em que a bebida entra em contato com a saliva. Os dados chegam ao cérebro. Ele as interpreta e identifica se o sabor é bom ou desagradável. O doce é reconhecido na ponta da língua. O salgado, numa região bem próxima. A acentuação azeda é sentida nas laterais e o amargo, no fundo. O centro, região nevrálgica, recebe os estímulos táteis como temperatura, viscosidade e teor alcoólico. Essa explicação científica pode soar insossa. Parece saída da boca de um médico. Trata-se, na verdade, da essência do trabalho e prazer de um outro tipo de gente ? os enófilos, amantes do vinho. Esse conhecimento construiu a história da Riedel, fabricante austríaca de cristais.

Em 1950, Claus Josef Riedel, da nona geração da dinastia de uma empresa fundada em 1756, descobriu que o formato do copo influenciava, em até 70%, no sabor dos vinhos. Estudou o assunto incessantemente e revolucionou
toda a indústria. Agora, o seu filho George Riedel acaba de
lançar um produto inovador. É a Blind Blind Tasting Glass, uma
taça negra usada na degustação às cegas, aquela na qual a pessoa prova o vinho sem saber qual é o tipo ou o rótulo. Até hoje, nesse tipo de prova, utilizam-se peças transparentes. Analisa-se a coloração do vinho, mas a marca é escondida. O objetivo: avaliar a qualidade do líquido sem preconceitos. Deste modo, até mesmo um Domaine de la Romanée-Conti, cuja garrafa custa cerca de US$ 10 mil, pode receber notas baixas.

O que a Riedel criou muda tudo o que já se viu nessas apreciações. De uma certa
forma, ela reinventou a degustação.
?Tirou de cena um dos sentidos mais cruciais, a visão?, diz José Luiz Alvim, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo. O que pode parecer tolice para os leigos é essencial para os mestres no assunto. ?Ao observar o vinho, é possível saber se é estruturado, elaborado e quantos anos ele tem?, diz Luiz Gastão Bolonhez, diretor da importadora Expand. Com a nova taça, os sentidos dos degustadores tendem a ser mais apurados. Um vinho representa um mar de sensações que explode na boca distribuindo os mais variados tipos de gostos. Justamente por isso, a taça negra dificulta ainda mais a identificação da bebida. ?Existem pessoas que confundem vinho tinto e branco quando os servimos na mesma temperatura, sem deixar que vejam a cor da bebida?, diz Manoel Beato, sommelier do restaurante Fasano, de São Paulo.

Para criar a Blind Blind (US$ 59 nos Estados Unidos), a Riedel contratou os melhores cientistas no ramo. Um grupo de
pesquisadores do Instituto Neurocientífico da Fundação Santa Lucia, de Roma, mostrou como as pessoas avaliam uma bebida quando não sabem o que estão ingerindo. Para isso, convidou sete sommeliers e sete consumidores. Descobriu-se que as pessoas usam mais o intelecto e as emoções no processo de degustação. Para chegar na coloração negra da taça, os designers da Riedel adicionaram manganês oxidado. Um longo processo de criação cujo resultado certamente provocará alvoroço nas mais refinadas confrarias do mundo. Mas nunca espanto, pois da Riedel, a chamada Rolls Royce das taças, pode-se esperar de tudo.