10/11/2022 - 8:42
Poucas horas antes de os russos anunciarem sua retirada da margem ocidental do rio Dnieper, na região de Kherson, o agricultor ucraniano Yevgen Gamiy, a 100 quilômetros de distância, viu uma granada cair ao lado de seu trator.
A retirada de Kherson soa como um grave revés para a Rússia, que já foi forçada a deixar a região de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, em setembro.
Mas as autoridades ucranianas permanecem cautelosas com o anúncio russo feito na quarta-feira e consideram que terão de continuar lutando para reconquistar esta cidade, a única capital regional tomada por Moscou desde o início de sua invasão.
A 300 quilômetros de distância, na cidade de Stepnogyrsk, na margem leste do rio Dnieper, onde as tropas russas podem se estabelecer ou tentar avançar em direção à cidade de Zaporizhzhia, Gamiy continua focado em sua missão.
É proprietário do único trator que ainda está funcionando e é responsável por levar água para sua aldeia.
A missão é de alto risco nesta cidade, a última antes da linha de frente onde, com ou sem retirada russa, civis continuam a ser alvejados.
“Tudo parecia calmo pela manhã e, de repente, recebi isso”, disse, segurando os restos de um foguete Grad do tamanho de um pão.
“Ouvi um assobio por uma fração de segundo e depois a explosão”, contou à AFP. “Quando você está no trator, é assustador.”
– Escudo natural –
O rio Dnieper, que corta a Ucrânia, pode se tornar um escudo natural para as tropas russas que se retiram para o leste.
Se as forças ucranianas quiserem persegui-las, terão que atravessar o rio.
Na área ao redor do povoado de Stepnoguirsk, ao sul de Zaporizhzhia, a frente não se move há meses. Mas os mísseis continuam a cruzar o céu.
Seus cerca de 1.500 habitantes são obrigados a permanecer em porões e abrigos, saindo apenas se abastecer.
“Ouvimos que há coisas acontecendo em Kherson”, diz, cansada, Liudmila Okopana.
“Esperávamos que nossos soldados chegassem onde estamos, mas isso ainda não aconteceu”, lamenta a ucraniana de 58 anos.
Muitos temem que o avanço do exército ucraniano, que parece acelerar nos últimos dias, seja retardado quando a neve chegar nas próximas semanas.
O inverno complica as perspectivas para ambos os lados, tanto para homens quanto para veículos, e também o clima dificulta o lançamento de projéteis que perdem precisão.
Se as posições atuais congelarem, os russos estariam em vantagem, pois poderiam se reagrupar e se fortalecer para a próxima primavera.
– Frente congelada –
Para Liubov Gajula, que come uma torta de maçã feita no fogão a gás, a guerra deve terminar antes do inverno, caso contrário o conflito durará para sempre.
“Se os combates pararem, vamos ficar como o Donbass há oito anos”, opina a mulher de 62 anos.
Essa guerra, que começou no leste do país em 2014 com combates entre forças ucranianas e separatistas pró-Rússia apoiados por Moscou, era até o início da invasão russa em fevereiro um conflito de baixa intensidade, sem avanço de nenhum dos lados.
“Oito anos de bombardeios inúteis, eu realmente não quero”, comenta a agricultora agora aposentada.
Na área ao redor de Zaporizhzhia, que não foi ocupada, os habitantes temem virar um prêmio de consolação para os russos após a retirada de Kherson.
A possível retirada desta capital regional do sul pode tornar a região de Zaporizhzhia um alvo prioritário.
“Como a frente não se movia, pensamos que os russos não nos alcançariam”, afirma Liudmila Okopna.
Por sua vez, Gamiy, o tratorista, é pessimista. Para comprar seu veículo, ele teve que pedir um empréstimo a um banco na esperança de poder trabalhar no campo para pagá-lo. Agora ameaçam confiscá-lo.
“Eu disse ao banco que eles poderiam vir buscar o trator. Mas nunca vieram”, conta.