22/01/2015 - 11:20
Na noite do domingo, dia 27 de outubro do ano passado, a família paulista Lunardelli não saiu da frente da televisão. A contagem dos votos definiria não apenas o nome do presidente do Brasil, mas também o endereço do advogado Wesller, de sua esposa, Maria do Carmo, e da filha, Giovanna. A confirmação da reeleição de Dilma Rousseff fez os Lunardelli seguirem em frente com a decisão de comprar um imóvel em Miami, o paraíso da classe média brasileira, conhecida nos Estados Unidos como a “Cidade Mágica”. No entanto, esse movimento foi além das finanças.
“A princípio, tínhamos pensado apenas em investir em Miami, mas a instabilidade econômica e política do Brasil nos levou mudar para lá”, diz Wesller, que até então residia em São Paulo. “Nos Estados Unidos, nos sentimos mais seguros, não precisamos andar de carro blindado nem tememos arrastão em restaurante.” Depois de adquirir o imóvel por US$ 669 mil, Lunardelli se interessou em ampliar os investimentos no mercado imobiliário local. Ele está longe de ser um caso isolado. Nos últimos anos, uma leva de brasileiros comprou imóveis na Flórida.
O atrativo inicial foram as pechinchas que surgiram após a crise imobiliária de 2008. Mais recentemente, porém, mesmo com a recuperação de parte dessas perdas, as aquisições continuam a todo vapor. Ainda vale a pena? Segundo especialistas ouvidos por DINHEIRO, sim, desde que o investidor tenha critério ao escolher os imóveis e preste atenção aos preços. A explicação é que, mesmo com a escalada de 13% do dólar em 2014, o preço do metro quadrado em Miami ainda não retornou ao patamar anterior à crise financeira e, portanto, é um investimento rentável.
“A pergunta de US$ 1 milhão é quando o preço vai voltar a ser igual ao de meados de 2008”, diz Luiz Carlos Kechichian, diretor da Mirantte Soluções Imobiliárias, que tem escritório na Flórida. “Acho que ainda teremos mais dois anos até que isso aconteça.” Renato Teixeira, presidente da Re/Max Brasil, também prevê mais 24 meses de valorização antes que o preço dos imóveis pare de subir de maneira consistente. “Nos últimos cinco anos, a valorização dos edifícios residenciais variou entre 15% e 20% ao ano, enquanto no Brasil há áreas em que houve até desvalorização”, afirma.
Entre os motivos para esse avanço expressivo dos preços no sul da Flórida estão as facilidades de financiamento e os investimentos em infraestrutura feitos nos últimos anos. As obras do trem expresso, que vai ligar Miami a Orlando, começaram em agosto do ano passado e a expectativa é que a linha fique pronta em 2017. Em pouco mais de três horas, será possível visitar os parques da Disney de forma segura e barata. Empreendimentos como o Brickell City Centre, shopping de três andares no coração da cidade, que custou US$ 1 bilhão, e o Miami Worldcenter, maior centro de convenções do sul da Flórida, atraem visitantes e, claro, investidores.
Uma das principais ressalvas aos investimentos na Flórida, o fato de que o Estado depende basicamente da renda dos aposentados e velhos mafiosos americanos, está perdendo a razão de ser. Miami se tornou um centro financeiro relevante, perdendo apenas para Nova York na preferência dos investidores. Em Downtown Miami estão localizados 60 subsidiárias de bancos internacionais – o Banco do Brasil entre eles –, que possuem, juntas, US$ 26 bilhões de ativos sob gestão e administram uma carteira de crédito de US$ 54 bilhões.
Existem imóveis para todos os bolsos: desde apartamentos de US$ 350 mil até projetos faraônicos como o Porsche Design Tower, de US$ 560 milhões. “O investidor quer ter receita garantida e um bom inquilino”, afirma Aires Balieiro, da corretora ISG-World. “Lá existem menos surpresas.” Segundo um levantamento exclusivo preparado para a DINHEIRO, os aluguéis em Miami subiram 25% desde 2013, enquanto a taxa de vacância despencou para níveis tão baixos quanto 3% em regiões da cidade como Biscayne Bay. Nos últimos anos, comprar imóveis nos Estados Unidos tornou-se uma espécie esporte global. De 2013 a 2014, os investimentos residenciais estrangeiros somaram US$ 7,97 bilhões.
Não há dados específicos para o Brasil, mas sabe-se que os investidores brasileiros lideraram as compras entre os países da América do Sul, segundo a associação nacional de corretores americana. Uma característica dos investidores brasileiros é a tendência a comprar casas com preços mais elevados, ao redor de US$ 409,6 mil, de acordo com a associação de corretores de Miami. Metade deles comprou propriedades como investimento ou com a intenção de usá-los durante parte do ano para férias. Como investir? Aproximadamente 20% dos brasileiros financiam a compra.
Para isso, dão uma entrada, em geral, de 30% do valor do imóvel e pagam juros de 4,5% ao ano, em prazos de até 30 anos. “Além da rentabilidade própria do investimento em imóveis, ter ativos em dólar é um ponto crucial, já que é uma moeda forte que tende a se valorizar ainda mais nos próximos anos”, afirma Cassio Faccin, vice-presidente da consultoria imobiliária Faccin Investments. Para evitar embates com o Fisco americano, Jeffrey Marathas, especialista americano do Godke Silva & Rocha Advogados, escritório brasileiro com filial em Miami, avalia que o melhor a fazer é adquirir o imóvel como pessoa jurídica e não pessoa física, especialmente se a intenção for legar o bem para os herdeiros.
A transferência por intermédio de uma pessoa jurídica reduz os impostos de transmissão que, nos Estados Unidos, podem chegar a 40% do valor da herança, segundo Jacob Abdala, presidente da corretora Legacy Plus Realty. “A vantagem é que se abre uma empresa em apenas 24 horas nos Estados Unidos.” A ideia de que quem comprar uma casa vai receber um green card de brinde está errada. A compra de um imóvel não garante sequer o direito de residência permanente nos Estados Unidos. Sem visto, o proprietário pode encontrar-se na incômoda situação de não ter acesso ao imóvel por não passar na Imigração. “Há várias formas de o brasileiro obter uma permissão de residência ou a cidadania americana, mas comprar uma casa não é uma delas”, diz Marathas.
Os incorporadores avaliam que o risco de uma nova crise imobiliária é baixo. “A quebradeira ocorreu porque os bancos foram imprudentes na concessão de crédito e qualquer pessoa comprava o que queria”, diz o incorporador brasileiro Rodolfo Ishak. “Agora, existe muito mais segurança para investir.” Ishak fala com conhecimento de causa. Depois de trabalhar com incorporação no Pará, agora o faz em Miami. “Comprei um terreno por US$ 3,5 milhões que agora está avaliado em US$ 15 milhões. Vale a pena, porque o Brasil está indo ladeira abaixo.”