10/05/2000 - 7:00
Na semana passada, entre reuniões intermináveis e viagens repentinas para Brasília e Rio de Janeiro, o comandante Rolim Amaro, principal acionista da TAM, comentou com um de seus executivos: ?Isso tem que dar certo?. Era uma referência ao acordo recém-firmado entre sua empresa e um dos concorrentes, a Transbrasil.
Mais que uma força de expressão, a frase resume de forma dramática o dilema no qual as empresas brasileiras de aviação estão mergulhadas: ou partem para um amplo processo de reforma ou enfrentam uma quebradeira generalizada. Ao provocar a decolagem desse processo com o acordo com a Transbrasil, o comandante Rolim candidatou-se ao papel de grande líder nessa virada da aviação comercial brasileira. Há vários motivos para isso. Primeiro, a TAM é, de longe, a empresa que tem apresentado historicamente os melhores resultados financeiros entre os quatro grandalhões desse setor no Brasil. Segundo: sua história demonstra disposição em romper com as leis de um mercado caracterizado, há décadas, por protecionismo, regulamentação excessiva e ausência de competição. Ou seja, Rolim estaria mais propenso a mudanças do que seus colegas de outras empresas. Por fim, ele é o último representante de um espécime em extinção: o empreendedor do setor aéreo, aquele que tem gasolina de aviação nas veias.
Portanto, não foi à toa que Rolim deu o passo inicial em direção à virada desse segmento com a parceria com a Transbrasil. Juntas, as duas ficariam com 36% do mercado, o que imediatamente levou o onipresente Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a entrar em cena. Tão logo o acordo entre TAM e Transbrasil foi anunciado, uma carta assinada pelo presidente do órgão Gesner de Oliveira foi enviada às duas empresas. No texto, havia o alerta de que qualquer associação que gere uma participação de mercado de mais de 20% ou um faturamento superior a R$ 400 milhões deve ser analisada pelos conselheiros.
Na verdade, o interesse do Cade a respeito do assunto começou antes mesmo da parceria vir a público. Em janeiro deste ano, por solicitação do Senado Federal, a conselheira Hebe Romano elaborou um relatório sobre eventuais associações de companhias aéreas no País, obtido com exclusividade por DINHEIRO. Escrito em linguagem rebuscada, com citações de especialistas estrangeiros na matéria, o texto chega a uma conclusão. Sim, realmente há ganhos de eficiência na união dessas empresas, mas a concorrência pode ser comprometida ? só que não necessariamente em função do número reduzido de participantes do jogo, como era de se esperar. O grande entrave seria a falta de infra-estrutura dos aeroportos para permitir igualdade de condições na competição pelos passageiros.
O desembarque do Cade no assunto provocou a reação imediata do setor. ?É estranho que o Cade queira entrar no mérito do acordo entre TAM e Transbrasil?, diz o brigadeiro Mauro Gandra, diretor-geral do SNEA, o sindicato que reúne as companhias aéreas. ?Se só temos quatro empresas operando, seria muito natural cada uma ter mais de 20% do mercado. O que o governo sempre quis evitar foi uma concentração de mais de 50% na mão de uma companhia aérea, como aconteceu com a Varig em 1993, aproveitando a crise anterior da Vasp.?
A polêmica dá uma idéia do vai-e-vem que marcará a reestruturação da aviação comercial no País, mas não a impedirá. Dela, provavelmente emergirá um setor com menos empresas, menos controle governamental, mas mais concorrência.
O que não é possível é que as coisas fiquem como estão. Juntas, as quatro companhias do setor tiveram R$ 400 milhões de prejuízos no ano passado. Suas dívidas acumuladas atingem quase R$ 6 bilhões. O índice de ocupação médio nos vôos domésticos pouco supera os 50%. Nesse cenário, as empresas não aproveitam o espaço que poderiam ocupar, sobretudo nos vôos internacionais. Das 216 rotas internacionais permitidas por acordos bilaterais com os Estados Unidos e países da Europa e da Ásia, o Brasil só utiliza 125. A partir do dia 14 de maio, esse número cai para 114, pois a Vasp deixará de voar para algumas cidades estrangeiras. Em contrapartida, as estrangeiras só desperdiçam três rotas.
Rolim terá alguns obstáculos pela frente para concretizar a reformulação do setor. A busca de racionalização e redução de custos por meio de associações e parcerias é apenas parte do problema. A exemplo do que aconteceu durante o governo de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, o setor teria de passar por uma ampla desregulamentação.
Um deles seria a criação da Anac (Agência Nacional da Aviação Civil), uma agência reguladora para o setor, no estilo da Aneel e da Anatel. O projeto para sua criação está sendo elaborado pelo Ministério da Defesa, mas as empresas alegam que ainda não tiveram acesso a ele.
Outro vespeiro no qual o governo terá de meter a mão é a administração dos aeroportos, a cargo da Infraero. Pela experiência ocorrida nos Estados Unidos, isso poderá ser um entrave ao estabalecimento de uma concorrência mais acirrada no setor. Os principais aeroportos do País estão próximos de sua capacidade. Isso impede que novas empresas passem a operar neles, devido à falta de espaço e estrutura para instalação de check in, hangares, salas de espera para passageiros etc. ?Sem isso, a redução do número de companhias no setor pode significar a criação de um oligopólio, pois a concorrência não teria espaço para atuar?, diz um executivo do setor.
Há ainda o desafio da criação de normas e leis que garantam a concorrência e, sobretudo, evitem o aumento de preços. As primeiras decisões do consórcio da TAM/Transbrasil revela que o risco existe ? e é grande. Na semana passada, dias depois do anúncio do acordo, a Transbrasil cancelou a promoção na venda de passagens de sua rota entre São Paulo e Rio de Janeiro. O bilhete, que era vendido a R$ 88 saltou para R$ 143, o mesmo valor praticado pela TAM. O número de vôos foi reduzido. A TAM manteve suas 24 freqüências no trecho, mas sua parceira cortou 16 dos 20 vôos diários. Segundo as empresas, porém, um remanejamento de horários permitiu a redução no intervalo entre os vôos. Estranha aritmética…
A associação tem duração prevista para 90 dias. Depois desse período, uma avaliação dirá se a união permanecerá ou até mesmo evoluirá para um casamento. Nesse caso, ninguém tem muita dúvida de que a TAM engoliria a Transbrasil. Mergulhada numa dívida de R$ 300 milhões, com prejuízos acumulados há anos, a empresa de Omar Fontana tem ainda a indefinição na sucessão do comando. Gravemente enfermo, Fontana entregou os negócios nas mãos de seu genro, Antônio Celso Cipriani, e do executivo Paulo Henrique Coco, atual presidente da companhia. Para eles, uma participação acionária, mesmo minoritária, numa TAMbrasil, como a associação tem sido chamada, seria uma excelente saída. Se o Cade deixar, pode ser uma saída para outros concorrentes também.