23/10/2002 - 7:00
Talvez você não tenha se dado conta, mas em 31 de dezembro deste ano vai desaparecer um dos ícones mais charmosos e duradouros da cultura contemporânea ? o inimitável, obscenamente caro e espantosamente chique Rolls-Royce, o automóvel mais cobiçado do século XX. O carro dos reis e dos plebeus bilionários, aquele cujo motor tem de ser ouvido com estetoscópio, deixou de ser fabricado em 30 de agosto deste ano. Nesse dia saiu da linha de Crewe, na Inglaterra, um conversível prateado que ficará na história como o último da sua espécie. A partir de janeiro uma nova fábrica entrará em operação. Será comandada pela BMW, terá outra mão-de-obra e montará um carro desenhado pelos projetistas alemães. Trará na proa a figura alada do Espírito de Êxtase e exibirá o duplo R ancestral da marca, mas será outra coisa.
Os últimos e autênticos Rolls-Royce, os derradeiros exemplares de uma linhagem inglesa de 97 anos, já foram fabricados. São 170 sedãs e 45 conversíveis que têm de ser vendidos até dezembro, quando a BMW assume a marca. Batizados como Last of Line, essas peças de extremo refinamento mecânico e artesanal são um item inestimável de coleção. Como tais, têm sido avidamente procurados. Na semana passada, ao falar com DINHEIRO, a porta-voz da Rolls-Royce, Annette Koch, informou que restavam 20 Last of Line na garagem da fábrica ? 13 Rolls-Royce Cornich, o conversível de US$ 364 mil, e sete Rolls-Royce Silver Seraph,
o sedã que custa US$ 230 mil. Há também nove Park Ward
de US$ 263 mil. Eles não são parte da última coleção, mas
não são menos Rolls-Royce que os demais. Obviamente é
coisa para poucos. ?Não estamos tendo qualquer problema em vendê-los?, avisa a porta-voz. ?Os apreciadores sabem que
esta é a última chance.? Como faz desde 1931, a fábrica de Creew continuará produzindo os estupendos Bentley, a segunda entidade mais perfeita do cosmo automobilístico, apenas alguns degraus abaixo do próprio Rolls-Royce.
Para celebrar o desaparecimento dos automóveis de luxo mais conhecidos do mundo, seu fabricante preparou uma jóia. O exterior prateado do sedã é o mesmo dos outros Seraph, mas o veículo ganhou detalhes ausentes da série comum. A figura do Espírito do Êxtase, por exemplo, foi estampado no centro das rodas, e o RR frontal do carro voltou a ser vermelho, como não ocorria desde 1933. Outro detalhe único é um selo com a bandeira britânica e a assinatura da fábrica, que foi colado ao painel do carro. O uso intensivo de madeira nobre nos acabamentos internos e no volante é outro sinal distintivo desse especialíssimo sedã, assim como os assentos de couro e as almofadas ? recheadas, como destaca o fabricante, com penas de ganso crespas. É o mesmo cuidado e requinte que cerca o conversível Cornich, cujo interior foi desenhado para parecer-se ao do famoso Silver Ghost de 1907, um dos modelos de maior impacto da marca, que ganhou o nome devido ao silêncio quase milagroso do seu motor. Nos próximos anos, à medida em que a tradição de Crewe entre na história, esses magníficos Rolls-Royce 2002 ganharão enorme valor e permanecerão como um símbolo. Serão lembranças perfeitamente funcionais de um tempo em que pequenas fábricas independentes desenhavam e construíam carros de luxo com um desvelo nunca antes alcançado ? e nunca, depois, sequer imaginado por suas gigantescas sucessoras.