Historiador e jornalista Sebastian Haffner tinha 24 anos quando escreveu romance ambientado durante a ascensão de Hitler. Obra permaneceu engavetada por nove décadas e só agora foi publicada, virando sucesso instantâneo.O jovem e inquieto Sebastian Haffner (1907 – 1999) foi um entre tantos escritores e jornalistas alemães que deixaram sua terra natal na década de 1930 para escapar do regime nazista.

Ao se mudar para Londres, Haffner descreveu sua rejeição à ditadura em Desafiando Hitler, um livro de memórias que ele manteve engavetado na época, mas que foi publicado com grande sucesso em 2002, após a morte do autor.

Mas havia ainda outro livro inédito de Haffner que não era conhecido do público: um romance concebido em 1932 quando o escritor tinha apenas 24 anos. Intitulado Abschied (Despedida), o manuscrito esquecido foi descoberto pelo filho do escritor, Oliver Pretzel, após a morte do autor, em 1999.

A obra ainda levaria mais um quarto de século para ser publicada. Mas apenas uma semana após seu lançamento, em junho, a história de um amor juvenil dividido entre Berlim e Paris chegou ao topo da lista de best-sellers da Alemanha.

Um último lampejo de luz

Despedida foi escrito em poucas semanas no final de 1932, quando a conturbada República de Weimar estava sendo substituída pelo fascismo e Hitler estava em sua ascensão ao poder. O nome do autor era então Raimund Pretzel; ele adotou o pseudônimo Sebastian Haffner para proteger sua identidade após chegar ao Reino Unido, em 1938.

Haffner era então um advogado liberal que estagiava num tribunal de Berlim. Ele testemunhou a expulsão de juízes judeus e social-democratas quando os nazistas assumiram o poder.

Mas, apesar da sensação de desgraça que permeia o romance, a história de amor autobiográfica mantém um senso de esperança.

Florian Kessel, editor do livro, publicado pela editora Hanser, chamou-o de “um romance maravilhosamente livre, cheio de cigarros, encontros e paixões que levam ao êxtase”. No entanto, ele também é “repleto de alusões à história violenta da década que se desenrolava”.

De acordo com o autor e crítico literário Volker Weidermann, que contribuiu com o epílogo do romance, a história ecoava o próprio amor de Haffner por uma mulher em Berlim que partiu para Paris no início da década de 1930.

Ele decidiu ir atrás dela, mas o romance entre Raimund e Teddy já estava “basicamente encerrado”. Ela percebeu os sinais do que estava por vir quando a Alemanha se tornou mais nacionalista e antissemita. Ele ficou em Berlim até que fosse tarde demais.

O nome verdadeiro de Teddy era Gertrude Joseph, uma mulher judia nascida em Viena que Haffner conheceu em Berlim antes de ela ir estudar na Sorbonne, em Paris, em 1930. Eles se reencontraram na capital alemã em 1933, quando ela o informou que iria se casar e nunca mais voltaria. Foi então que Haffner decidiu segui-la até Paris. Gertrude acabou formando uma família na Suécia, mas os dois continuaram se correspondendo durante toda a vida, segundo Weidermann.

A espera pela publicação

O manuscrito de Despedida foi encontrado numa gaveta ao lado de História de um Alemão, a obra autobiográfica que depois ganhou o título Desafiando Hitler. No entanto, ele foi publicado 23 anos depois, em parte devido a “diferentes opiniões na família sobre a publicação do manuscrito”, contou Oliver Pretzel em uma entrevista à Republik Magazin.

“Ele não havia escrito nada sobre isso em seu testamento”, disse Pretzel. Ele e seu sobrindo, os detentores dos direitos da obra do escritor, finalmente concordaram em publicar o livro — que foi editado pelo próprio Pretzel.

Os herdeiros estavam “preocupados” que esse “texto inicial, leve e juvenil” pudesse manchar a “boa reputação do historiador sério”, escreveu Weidermann.

Mas esse romance “arrebatador” e “ofegante” acaba descrevendo com precisão “a fonte da dor sobre a qual se baseiam seus livros posteriores”, acrescentou o crítico.

Anos depois, vieram obras como Alemanha: Jekyll & Hide (1940), que narra como a sociedade alemã abraçou o nazismo depois de reagir à derrota na Primeira Guerra Mundial com “ressentimento, desafio e rancor”.

Impresso às pressas antes da invasão nazista da Bélgica e da Holanda, na esperança de influenciar os leitores alemães, o New York Times, em 1941, chamou o livro de “excelente análise dos males da Alemanha” e da disposição de uma população de “amarrar sua carroça a uma estrela maligna”.

Em Desafiando Hitler, Haffner descreveu uma cena em seu escritório no tribunal que resume bem sua visão perspicaz e profética.

“Então, sem levantar muito a voz, outra pessoa disse: ‘Eles estão expulsando os judeus’, e alguns outros riram. Naquele momento, essa risada me alarmou mais do que o que estava realmente acontecendo. De repente, percebi que havia nazistas trabalhando naquela sala.”

Renascimento literário

Em seus escritos jornalísticos e históricos, Haffner, que retornou à Alemanha em 1954, era visto como “um cientista forense da alma alemã [que] trabalha com um bisturi”, segundo o autor e crítico literário suíço Matthias Zehnder. “Seu romance, por outro lado, é pintado com leveza impressionista.”

A publicação de Despedida sugere um talento para a ficção que nunca teve a oportunidade de florescer.

“Que romancista Sebastian Haffner teria sido!”, escreveu Weidermman, referindo-se ao “tremendo poder de observação do autor, sua enorme sagacidade, frase após frase”.

Oliver Pretzel descreveu sua sensação ao descobrir Desafiando Hitler e Despedida na mesma gaveta após a morte de seu pai.

“Gostei particularmente de ‘Despedida’ porque tem um tom leve e, basicamente, ainda está cheio de joie de vivre, o que falta um pouco em Desafiando Hitler”, disse em entrevista à editora Hanser. “Você tem a sensação de que ele tem uma visão sombria do mundo, enquanto em ‘Despedida’ é uma visão esperançosa.”