Um dos princípios básicos para a construção de um empreendimento imobiliário é um bom alicerce. Aliado a isso, é fundamental que a construtora – ou incorporadora – tenha um bom suporte financeiro para garantir que o projeto seja desenvolvido com qualidade e segurança e, também, no prazo. Por fim, ter boa gestão. A Rossi Residencial cumpriu com eficiência a primeira parte da tarefa, mas crises econômicas e políticas afetaram a companhia, afundada em dívidas (R$ 1,2 bilhão no total), e ela entrou com pedido de recuperação judicial, terça-feira (20), na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo. O débito inclui bancos (cerca de R$ 500 milhões) e o restante está dividido entre ex-clientes, ex-funcionários e fornecedores.

Criadora do Plano 100, que na década de 1990 revolucionou o financiamento imobiliário para a classe média, a Rossi quer seguir o caminho de empresas como a PDG Realty, que saiu da recuperação judicial e agora atua sob o nome ix. Formada por 314 empresas – a incorporadora faz parte do Grupo Rossi, fundado em 1913 –, ela foi constituída em 1980 e já entregou mais de 750 empreendimentos, o correspondente a 115 mil unidades. Atualmente, contabiliza 24 pedidos de falência e 5 mil execuções em curso.

A Rossi Residencial é representada pelo escritório E. Munhoz Advogados, o mesmo que defendeu os interesses da PDG Realty. Na petição enviada à Justiça os advogados afirmam que a Rossi enfrentou uma tempestade perfeita no mercado imobiliário no início da última década (2010, 2011 e 2012). “Com crise econômica e política no País, mais alta taxa de juros e de desemprego.” Diante da situação, os adquirentes pediram muitos distratos, se tornaram inadimplentes e isso impactou diretamente a Rossi, a exemplo de outras incorporadoras.

Em 2015, a companhia implantou um plano de renegociação de dívidas financeiras de R$ 1,5 bilhão junto a instituições bancárias, como Banco do Brasil e Bradesco, além de outros credores. Assim, a empresa reduziu o passivo financeiro em 90%, como diz em fato relevante. Mas a recuperação do mercado, a partir de 2019, acabou freada pela pandemia – os distratos à época chegaram a 40% por mês no Brasil.

DESAFIOS SEM FIM A Rossi, do CEO João Paulo Franco, renegociou 90% de dívidas com instituições bancárias. (Crédito: Claudio Belli)

Quase três anos depois e ainda com o fantasma das rescisões a assombrar as operações, a Rossi fechou o primeiro semestre com receita líquida negativa de R$ 8,2 milhões, contra lucro de R$ 33,1 milhões na comparação anual. O Ebitda ajustado ficou negativo em R$ 129,1 milhões, frente a R$ 63,2 milhões (aumento de 104,2%) de 2021. O prejuízo entre janeiro e junho de 2022 chegou a R$ 200,6 milhões, revertendo lucro de R$ 73,7 milhões em igual época de 2021. A companhia finalizou todos os seus empreendimentos, mas não realizou lançamentos neste ano. Uma das apostas para evitar a decretação da falência está no banco com 19 terrenos, com um valor geral de vendas (VGV) de R$ 1,9 bilhão.

CARÊNCIA Para o advogado Fernando Brandariz, especializado em direito empresarial e recuperação judicial, a aprovação do pedido pode superar o prazo de seis meses devido ao grande número de credores e possíveis questionamentos referentes ao processo. “Se aprovada [a recuperação], a Rossi pode se beneficiar da carência de dois anos para o início do pagamento das dívidas, do alongamento do parcelamento do pagamento e até de deságio de 90% em alguns casos”, afirmou ele, do escritório Mingrone e Brandariz.

Presidente da Comissão de Direito Empresarial da subseção Pinheiros da Ordem dos Advogados do Brasil, de São Paulo, Brandariz disse que a tradição de mais de 40 anos da Rossi no segmento é importante aliada na luta para escapar da falência. “É uma empresa viável, porque tem patrimônio”, disse. No final de julho, a Rossi tinha R$ 924,4 milhões em ativos.

O advogado Diego Amaral, especializado em direito civil e imobiliário, disse que a Rossi pode ser beneficiada não só pelo prazo de carência, mas também pela tendência de queda da taxa básica de juros (Selic) e do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), que impactam nos financiamentos e no reajuste dos contratos na aquisição de imóveis, e da redução da inflação. “O governo acena com redução leve da taxa de juros nos próximos dois anos, assim como temos acompanhado a diminuição da inflação e do INCC nos últimos meses.”

Para Amaral, do escritório Dias & Amaral Advogados Associados e conselheiro jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a Rossi pode ser beneficiada também com a retomada dos negócios caso seja aprovada a manutenção das atividades da empresa. “Mas o maior desafio agora é garantir a aprovação da recuperação judicial junto aos credores. Além de muito trabalho de advogados, contadores e economistas para garantir a recuperação definitiva da Rossi.” Um jogo de números e de paciência para tirar a companhia do buraco e levá-la novamente à cobertura.