A carona é um dos meios mais primitivos de interação humana. A palavra, que vem do latim Caro, ou Carne, e quer dizer colocar sobre o lombo do cavalo, designa o ato de viajar a partir da generosidade de um condutor. Era questão de tempo para a antiga prática virar nova economia. É aí que dois gigantes entraram, mas pegaram rumos opostos. No caso da Waze Carpool, no Brasil, a modalidade de caronas do aplicativo de mapas e navegação comprada em 2015 pela Google teve dificuldade em engajar os usuários e, por esse motivo, está encerrando as atividades no mundo todo. Por outro lado, a francesa BlaBlaCar tem um dos melhores anos de sua história e usuários mais engajados do que nunca.

A resposta para essa divergência está exatamente nos modelos de negócios aplicados pelas duas empresas. No caso da Waze, a plataforma optou por disponibilizar o serviço de caronas para viagens apenas nos centros urbanos, diferentemente da BlaBlaCar, na qual o usuário oferece caronas intermunicipais. Segundo a especialista, pesquisadora em mobilidade e fundadora do Multiplicidade Mobilidade Urbana, Glaucia Pereira, deve haver um planejamento e entendimento bom das empresas do seu modelo de negócios. Para ela, o modelo da Waze não funcionou exatamente pelo público que a empresa buscou atingir. Em viagens nos centros urbanos, as pessoas não podem ficar dependentes de um aplicativo que não dá certeza da viagem, ou não as deixa em um local próximo o suficiente de onde precisam ficar. “No dia a dia, as pessoas têm de cumprir horário”, disse. “E cinco minutos a mais que a pessoa perde, o trânsito piora e ela não sabe se ela vai chegar.”

ACELERAÇÃO Para a CEO da BlaBlaCar, Tatiana Mattos, 2022 está sendo um ano de retomada e criou mais afinidade entre o modelo e o cotidiano das pessoas. (Crédito:Divulgação)

Nessa dinâmica em que tempo é tudo, a BlaBlaCar prosperou apostando no formato de viagens intermunicipais. Valendo-se de roteiros mal servidos por serviços rodoviários, num País em que o sistema de trens intermunicipais inexiste fora de regiões metropolitanas, a empresa emplacou como solução. Uma viagem no trecho Campinas-São Paulo, por exemplo, cidades a uma hora de distância, os preços aos caronistas variam a partir de R$ 20. Bom para quem pega, bom para o motorista que abate o cisto de combustível e pedágios. Maior aplicativo do segmento no País, a BlaBlaCar atingiu no Brasil mais de 12,5 milhões de usuários, com 30 mil rotas criadas e mais de 70 milhões de assentos oferecidos desde que a empresa chegou por aqui, há sete anos.

Segundo a CEO da companhia para o Brasil, Tatiana Mattos, a empresa está tendo um dos melhores anos da história, com mais de 5 milhões de assentos oferecidos no segundo trimestre de 2022, ou 59% a mais que no mesmo período no ano passado, com 2,1 milhões de passageiros, 62% a mais que no ano anterior, e 615 mil novos membros. Para ela, é realmente um ano de retomada e a pandemia acelerou o processo de aumento das caronas. “Criou ainda mais afinidade entre o modelo e o cotidiano das pessoas”, afirmou. A resiliência foi chave para segurar as pontas durante a pandemia, quando a maioria das pessoas estava em casa e a solução encontrada pela plataforma foi investir na criação e manutenção do senso de comunidade que os usuários do aplicativo têm.

Outra estratégia que salvou durante a pandemia foi a multimodalidade. Desde 2020, a BlaBlaCar foi além das caronas e investiu em ser também um marketplace para passagens de ônibus. Em parceria com as empresas de transporte, passou a oferecer no seu app passagens para trechos parecidos com o que os usuários pesquisavam para caronas, com preços atrativos e muitas vezes menores que os cobrados nas rodoviárias. Hoje são mais de 175 empresas parceiras no mercado rodoviário. O que acaba sendo a única linha de receita da startup no País. “A carona ainda não é um modelo de negócio monetizado no Brasil, então hoje a nossa monetização e rentabilidade está nesse market place.” A cobrança de uma comissão — provavelmente de 15% sobre o que pagam os caronistas — deve começar no ano que vem, embora oficialmente a empresa não confirme. Ainda assim, dada a precariedade de opções no Brasil, mostra-se altamente competitivo. Sorte da BlaBlaCar e de seu exército de usuários.