As negociações em torno do rotativo do cartão de crédito, a linha de financiamento mais cara do País, ganharam fôlego renovado nos últimos dias. No Congresso, discute-se a possibilidade de tabelamento, caso o setor não se autorregule. Foi a senha para acelerar as conversas entre bancos, varejistas e os demais players da cadeia, que é complexa e interligada.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também pressiona por uma solução rápida, em no máximo 90 dias, para o que classifica como “o maior problema de juro do País”. E tudo isso, claro, vem sendo acompanhado de perto pelo Banco Central (BC), que regula o setor.

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O consumidor cai no rotativo toda vez que opta por pagar apenas uma parte da fatura até a data de vencimento. Trata-se, portanto, de um crédito emergencial, mas que experimentou um forte crescimento nos últimos anos.

Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC. Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio – fazendo com que a modalidade voltasse ao centro das críticas dos políticos. Veja abaixo algumas das opções que estão sendo discutidas e o que pode mudar.

Imposição de um limite

O deputado Alencar Santana (PT-SP), relator do projeto que vai receber o conteúdo do Desenrola (programa de renegociação de dívidas do governo federal, enviado originalmente como Medida Provisória), disse que vai propor, no seu parecer, um prazo para a autorregulamentação do segmento.

Se isso não acontecer, o texto vai propor que o juro do rotativo, hoje em 437% ao ano, seja limitado ao mesmo patamar do cheque especial, que tem taxa anual máxima de 151,8% (o equivalente a 8% ao mês). Santana também trabalha com um prazo de 90 dias, a contar da futura publicação da lei.

Em entrevista ao Estadão, o parlamentar afirmou que fazer o Desenrola e não tratar do problema do cartão é o mesmo que não fazer nada. “Você desenrola a pessoa para ela se enrolar de novo”, disse.

As instituições financeiras, porém, rechaçam a possibilidade de tabelamento e querem uma “transição sem rupturas”. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) destaca que “soluções simplistas ou artificialidades só agravariam o problema”.

A visão é corroborada pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). “Se o juro for, hipoteticamente, para 1%, e o risco do cliente for acima dessa taxa, o emissor vai cortar o crédito dessa pessoa, já que ninguém é obrigado a trabalhar em prejuízo”, explica Ricardo Vieira, vice-presidente da entidade.

Restringir o uso do rotativo

Outra possibilidade na mesa é limitar o tempo de permanência do consumidor no rotativo, hoje fixado em 30 dias. Ou seja: quando o cliente não paga a totalidade da fatura, ele pode ficar até o vencimento da próxima conta nessa modalidade emergencial. Depois, a instituição financeira deve oferecer uma opção de crédito com juros mais acessíveis para que o valor seja refinanciado.

Essa regra foi estabelecida em 2017, por meio de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão que hoje é formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. A ideia, portanto, seria restringir esse período de tempo. Fonte da equipe econômica afirmou ao Estadão que a medida ajuda, mas não resolve o problema.

Limitar o parcelado sem juros

As instituições financeiras alegam que a construção de uma saída para o rotativo passa por algum tipo de restrição às compras parceladas sem juros. Elas são consideradas uma “jabuticaba” do mercado de crédito brasileiro – uma modalidade que só existe por aqui.

A prática ocupou o espaço do cheque pré-datado e hoje é um dos motores do varejo, que é resistente a mudanças. Trata-se, porém, de um benefício cruzado. “A pessoa que cair no rotativo vai pagar pela suposta venda sem juros”, explica a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. “É uma propaganda enganosa.”

Nesse cenário, chegou-se a discutir a possibilidade de se impor um limite ao número de parcelas, que poderia variar de acordo com o segmento varejista, mas há forte resistência por parte do comércio.

O presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), Jorge Gonçalves Filho, afirma que a redução do parcelado sem juros só será possível se houver uma migração para o parcelado com juros, mas desde que haja taxas mais acessíveis. “Se o comerciante tiver condições de oferecer um parcelamento com taxas mais baixas, que caibam no bolso do consumidor, tudo bem”, disse o empresário, em entrevista ao Estadão.

Além disso, o segmento exige a redução das cobranças aos lojistas – aquelas que são devidas aos diversos elos da cadeia dos cartões: emissores, bandeiras e adquirentes.

Calibrar a cobrança aos lojistas

Essas cobranças também estão no centro de outra negociação: a possibilidade de se alterar as taxas de intercâmbio – as quais as emissoras de cartão cobram dos lojistas pelo uso do meio de pagamento. Essas taxas fazem parte da MDR (ver infográfico acima).

A ideia seria cobrar taxas mais elevadas em financiamentos mais longos, mas, de acordo com fontes, há resistências dentro do BC. Hoje, não há limite para essa taxa no crédito, o que faz com que os bancos cobrem porcentuais considerados elevados.