Um ano e meio após enchentes, RS chega à COP30 como caso emblemático de adaptação, mas expõe visões opostas sobre o futuro da agricultura.Com uma economia em que 40% do PIB é representado pelo agronegócio, o Rio Grande do Sul já sente os efeitos da crise climática no aumento da frequência de estiagens e com a enchente histórica de maio do ano passado , que causou prejuízos de R$ 61 bilhões no setor produtivo. Na COP30 , diversos atores do estado aproveitam o espaço para apresentar ações de resiliência climática , após um dos maiores desastres naturais da história do Brasil.

Após o desastre do ano passado , o governo do Rio Grande do Sul lançou o Plano Rio Grande, descrito como um “plano de reconstrução, adaptação e resiliência climática”, propondo uma governança multinível, com recursos e programas da União e do estado. A proposta prevê ações de curto, médio e longo prazo, que englobam desenvolvimento sustentável e mitigação da vulnerabilidade climática.

No eixo de resiliência, estão propostas como sistema de proteção de enchentes, planos de drenagem urbana, estudos de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) e o incentivo a agricultura de baixo carbono, com manejo adequado do solo, integração lavoura-pecuária-floresta e práticas agrícolas sustentáveis.

De acordo com a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Marjorie Kauffmann, o plano conecta todos os projetos do governo, tem um conselho formado por 200 representantes da sociedade civil e um comitê científico, que atua como validador das políticas.

A secretária afirma que, no inventário de gases de efeito estufa do estado, a maior parcela de emissões provém da agropecuária. Ainda assim, ela reforça que “não há dúvidas de que nós precisamos olhar para a agricultura como os atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas, e não como os causadores”.

O Rio Grande do Sul não sofre somente com as enchentes . A estiagem já castiga o estado há muitos anos e, por isso, Kauffmann afirma que o foco é avançar em irrigação como a principal medida de adaptação climática.

Uma das principais pautas levantadas em transição justa é a necessidade de medidas de adaptação climática focadas em públicos distintos. Kauffmann acredita que agricultores de larga escala e agricultores familiares necessitam de medidas diferentes de adaptação. No entanto, conforme ela, os dois públicos teriam a mesma dificuldade de se recuperar diante de eventos climáticos extremos.

“Eu não acho que a agricultura familiar tem mais dificuldade de se recuperar que a agricultura em larga escala. Ambas têm a mesma dificuldade, porque todas foram fortemente atingidas e dependem de financiamento”, finaliza.

Federação gaúcha afirma que agricultura brasileira já é exemplo

A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) acompanhou diversas agendas do governo do Estado na COP30, sendo representada na primeira semana do evento pelo vice-presidente da entidade, Domingos Velho Lopes.

“Para a Farsul, produtor rural não tem tamanho. Todas as propriedades têm vínculo familiar, seja na atuação ou no dia a dia. Todos têm que se adaptar à agenda climática e ser foco nas medidas descarbonizantes da cadeia produtiva”, diz Lopes.

Para Lopes, o Brasil não necessita modificar sua agricultura – e, portanto, nem o modelo produtivo gaúcho. “O que precisamos é mostrar o que já fazemos (em termos de descarbonização). Então esse é o ponto: comunicar melhor para que as agendas de financiamento, sejam de fundo de investimento ou de linhas privadas, tenham esse entendimento de que a agricultura do Brasil já é um exemplo”, pontua.

Pesquisadores apontam necessidade de transição justa

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontam que o Plano Rio Grande é louvável na criação de governança e na rapidez de resposta às inundações de 2024. No entanto, enfatizam a necessidade de avançar em transição justa – uma vez que a resposta de adaptação precisa ser diferente em grandes lavouras e para agricultura familiar, escopo no qual entram quilombolas, indígenas e assentados da reforma agrária.

Maurício Paixão, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hídricas (IPH) da UFRGS, explica que o Plano Rio Grande foi construído em tempo recorde. “Como técnico da área ambiental, acredito que foi um case de sucesso no mundo conseguir organizar a reconstrução do estado em tão pouco tempo. Com a extensão dos danos, seria praticamente impossível, em qualquer país latino-americano, fazer mais em menos tempo”, diz.

“Mas obviamente todo sistema sempre pode melhorar. O grande desafio é sempre chegar na ponta, nas comunidades que normalmente são mais afetadas, e levar essas demandas a todos os municípios do estado”, completa o pesquisador. “Ano passado, muita gente dizia que a enchente afetou todo mundo da mesma forma, mas o desastre não foi democrático”, explica.

Pesquisador de Sociologia e Desenvolvimento Rural da UFRGS, Paulo Niederle afirma que o reconhecimento da emergência climática pelo governo gaúcho é um ponto positivo. “Destoa do que a gente vê em outros contextos”, pontua, em menção ao negacionismo climático. “Há um investimento importante em termos de infraestrutura, o que chega na agricultura familiar, como reconstrução de pontes e sistema logístico”, explica Niederle.

Ele também reconhece avanços em inteligência para identificação de fenômenos extremos e em sistemas de alerta. “Mas mesmo nas áreas que foram diretamente atingidas, tem havido grandes dificuldades em dar apoio para que não se repitam os mesmos problemas”, diz.

Ele frisa que o Plano Rio Grande não tem tido capacidade de incentivar de uma maneira sistêmica a implantação de sistemas agroalimentares resilientes e justos. Nesse sentido, cita práticas agrícolas sustentáveis, como agroecologia e agroflorestas. Para a promoção desses sistemas, ele diz que só haveria “ações muito pontuais, que ganham destaque como expressão de uma estratégia, mas não tem envergadura para promover as transformações urgentes necessárias”.

Para ele, sistemas alimentares resilientes podem se tornar parte da solução da emergência climática, uma vez que a agricultura também tem capacidade de capturar carbono no solo. Porém, ele critica o foco excessivo na redução dos índices de gases de efeito estufa. “Não se trata somente de emissões, mas de justiça social e ambiental. Nesse sentido, os resultados do plano são absolutamente limitados, acanhados”, completa.

MST pede reassentamento em Eldorado do Sul

Greisson William da Rosa, um dos dirigentes estaduais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio Grande do Sul (MST-RS), conta que, depois das enchentes do ano passado, o MST solicitou reassentamento na cidade de Eldorado do Sul, que foi a mais afetada do estado durante as inundações.

Os prejuízos em infraestrutura e maquinário da Cooperativa de Produção Agropecuária dos Trabalhadores Sem Terra (COOTAP), que tem sede na cidade, somaram R$ 9,5 milhões. As lavouras dos associados no município tiveram perda total.

Sobre adaptação climática, ele diz que não se nota ações do estado gaúcho. O pedido de reassentamento, que é considerada medida extrema de adaptação, partiu deles. “E o governo não demonstra interesse em uma solução. A primeira proposta que fizeram foi de titular as terras das famílias que estão lá, mas depois elas que se virassem para vender a propriedade, sendo que é uma área atingida por enchentes”, afirma. Ele também diz que a estrutura da cooperativa e dos associados foi recuperada com a solidariedade de outras pessoas e movimentos.

Para o MST, a agroecologia já é mais resiliente e adaptada às mudanças climáticas. Por isso, há uma demanda do movimento a nível nacional de que haja transformação dos sistemas alimentares. Um estudo conduzido pela UFRGS mostrou que, embora tenha ficado completamente submerso durante as inundações, o solo do assentamento de Eldorado do Sul se recuperou mais rápido do que o de outras propriedades rurais na cidade. A pesquisa apontou o manejo agroecológico, com cobertura de solo e diversificação produtiva, como responsável pela recuperação acelerada.

Questionado sobre as demandas do MST e prazo para execução do reassentamento, o governo gaúcho respondeu, em nota à DW, que há um grupo de trabalho interdisciplinar composto por cinco secretarias analisando as demandas. “Reuniões já foram realizadas com integrantes do movimento, em que houve avanços nas discussões. O governo segue com as tratativas junto ao MST”, diz o texto.