19/12/2007 - 8:00
A situação política e social da república asiática de Mianmar, a antiga Birmânia, pode ser facilmente analisada por meio de alguns números: 132, 66,9%, 55 e 59, 90% e 200 milhões. Cento e trinta e dois é a posição do país no ranking de desenvolvimento humano da ONU, 66,9% é a taxa de mortalidade infantil, 55 e 59 são a expectativa de vida para os homens e para as mulheres, 90% é a fatia do país no mercado mundial de rubi e 200 milhões é a quantidade de euros arrecadados anualmente em cada um dos três leilões de rubis organizados pelos militares que comandam o país.
Some-se a isso o trabalho de semi-escravidão nas minas, a dura repressão contra os direitos civis e conflitos que provocaram centenas de mortes. Essa equação de indicadores e fatos foi o suficiente para que três das principais joalherias do mundo declarassem o boicote aos rubis: Cartier, Tiffany e Bulgari. ?A Cartier tem uma política muito rigorosa em relação à procedência das pedras?, diz Veronique Claverie, diretora de comunicação e marketing da Cartier no Brasil.
?Também obrigamos os nossos fornecedores a apresentar atestado de procedência.?
O ?grito? das grifes contra um país que não respeita os direitos humanos e faz das minas de pedras preciosas um meio para financiar a permanência no poder ecoou no mundo inteiro e fez lembrar dos conflitos em países africanos ricos em diamantes. Durante décadas, as guerras civis em Serra Leoa, em Angola e na Libéria foram custeadas pelos diamantes vendidos no mercado paralelo. Enquanto milhares de pessoas morriam ou eram mutiladas, as pedras eram exportadas, lapidadas e cuidadosamente cravejadas em anéis, colares e brincos. Essa imagem manchou a indústria da joalheria e as grandes marcas procuram se antecipar e fugir desse tipo de problema. ?O mundo não tolera mais isso?, diz Écio Morais, diretor do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM). Há, é verdade, um controle mais rigoroso sobre os diamantes. Em março de 2002, a ONU criou o chamado certificado Kimberley. ?As pedras devem ter um atestado de procedência com todos os dados do garimpo onde foi extraído e sobre o país?, diz Morais. Isso reduziu drasticamente o comércio dos chamados diamantes de sangue, nome do filme estrelado por Leonardo DiCaprio, em 2006, e que chocou o mundo ao mostrar os terrores dos conflitos em Serra Leoa.
No último leilão de pedras preciosas organizado pelos ditadores do país, foram arrecadados ? 200 milhões
Se antes 15% dos diamantes de todo o mundo vinham de regiões de conflito, hoje esse índice caiu para 1%. Mesmo assim ainda é um negócio lucrativo. Para se ter uma idéia, o mercado mundial de jóias movimenta anualmente US$ 150 bilhões e 46% desse total é representado por peças que levam diamante. O percentual de jóias confeccionadas com pedras coloridas como o rubi ainda é pequeno, gira em torno de 6%. ?Ainda não há um controle de procedência para o rubi?, diz Morais. O que existe é uma consciência de que os clientes preferem pagar mais por uma jóia que venha de um lugar que cumpra todos os requisitos da responsabilidade social. O ouro, outro minério precioso, já está entrando nessa rota.
Atualmente, existe um selo chamado Green Gold (Ouro Verde), para identificar ouro que foi extraído sem danificar a natureza. A tendência é a de que isto se torne cada vez mais comum. As empresas, enfim, acordaram para uma realidade: o sangue ofusca qualquer tipo de brilho.