09/04/2015 - 0:00
Para compreender de maneira muito clara o que os marqueteiros chamam de ruptura de categorias recomendo a leitura do artigo da Bloomberg BusinessWeek chamado “Bad News in Cereal City”.
Em função da mudança de hábitos dos consumidores, as famílias, além de terem menos filhos, não tomam mais o tradicional café da manhã e preferem comer barras de cereais, iogurtes ou até mesmo um fast-food. Mesmo entre aqueles que fazem o “breakfast”, nos Estados Unidos, cada vez mais optam pelos chamados “OatMeal quentes” ou ovos – algo mais quente. Como resultado, as vendas da tradicional Kellog’s têm caído drasticamente e a empresa busca novas maneiras de buscar novos caminhos.
Essa situação mostra com perfeição o que é a tal da ruptura das categorias, que não somente afeta os cereais, como também outros setores. Os exemplos são muitos, desde compras via internet, aplicativos para smartphones (como o 99Taxis, Uber, Waze, entre tantos outros), que literalmente acabaram com pontos e cooperativas de táxis.
Nestas situações, as empresas buscam novos caminhos, segmentos, nichos e até mesmo posicionamentos em outras categorias. Alguns podem achar que a solução desses problemas está limitada a fazer uma boa pesquisa de mercado. Certamente, as alternativas incluem pesquisas de mercado, mas também envolvem uma dimensão tão importante: a identidade das marcas.
Cito três cuidados que as empresas devem ter quando estão ou buscando novas oportunidades e nichos:
Mimetismo
Segundo Jean Noel Kapferer, uma das maiores referências de branding no mundo, um dos erros que as empresas cometem é o chamado Mimetismo. Em geral, elas acreditam que o seu concorrente faz sempre a coisa certa, e se esquecem da identidade e valores da marca. Foi o que aconteceu com o caso da New Coke. Veja o que está no site oficial da The Coca Cola Company.
Após anos de liderança incontestável, a Coca-Cola estava perdendo espaço para a Pepsi, que passou a ter um posicionamento de inovação, com o Pepsi Generation. A Clássica Coca-Cola, então, reagiu e criou uma Nova Coca-cola, denomina de New Coke, esquecendo-se dos tremendos atributos de tradição e de família que esta marca tinha. Resultado: alguns meses depois de seu lançamento, houve manifestações de fãs da Coca-cola nos EUA. A marca não teve alternativa a não ser voltar atrás e enfatiza cada vez mais a Coca-Cola clássica.
A marca era tão respeitada pelos marqueteiros que alguns disseram que a Coca-cola tinha feito isto de caso pensado. Na época, um alto executivo da empresa, disse: “Não somos nem tão geniais e nem tão estúpidos como muitos dizem. Foi um erro de marca, como várias empresas cometem erros”. Para nós de branding, a identidade de marca é algo muito forte, e não pode ser afetada por modismos.
Para trazer o mimetismo para o mundo dos negócios brasileiros, trago um trecho de meu livro, Branding Analítico:
“Para tangibilizar o risco do mimetismo trago uma histórica contada pelo Doutor Carlos Dutra (Presidente da Essencis Soluções Ambientais www.essencis.com.br ) em um contato recente que tivemos. Ele me contou sobre um email que ele tinha recebido. O email dizia que existia uma tribo que vivia em uma região em que o inverno poderia ser muito rigoroso. E que, para se preparar para o rigoroso inverno tinha que armazenar muita madeira. Bem, a fim de convenientemente se preparar, existia um representante da tribo que ouvia as previsões metereológicas de uma rádio local. E em função destas previsões escutadas, o representante da tribo pedia para os indios armazenarem cada vez mais madeira pois a rádio somente divulgava que o inverno realmente será muito rigoroso – ou seja, nunca armazenaram tanta madeira quanto antes. Bem, curioso para entender melhor a origem das previsões da rádio, o representante da tribo desce para a cidade e procura na rádio pelo responsável pela previsão. Chegando lá o responsável metereológico explica que é muito dificil fazer previsões de quão severo pode ser o inverno próximo com antecedência, e que pesquisas estavam sendo desenvolvidas por renomadas universidades. Mais aí o representante da tribo pergunta: “Poxa, como então vocês estão prevendo então um inverno tão rigoroso?”. Aí o responsável da meteorologia responde: “Olha, a gente costuma muito respeitar o conhecimento indígena. E estamos vendo que eles nunca armazenaram tanta madeira antes. E eles não são bobos nem nada. Portanto deve vir um inverno muuuuito rigoroso….”
Oportunismo
O segundo ponto a se verificar nesta “expansão” é se a sua marca tem extensão (stretch) para atuar na oportunidade de negócios. Por exemplo, o que aconteceria se a marca Kellog’s decidisse entrar em um negócio de hospitais? Hospitais no Brasil pode ser uma boa oportunidade, mas como seria a percepção das pessoas com a marca Kellog’s como proprietária de um hospital.
Qual é a extensão da marca para estas oportunidades? No livro “Brand Failures, The truth about 100 biggest branding mistakes of all times” (Haig, Matt, Editora Kogan Page, 2011)– Haig menciona como uma das grandes falhas de branding foi quando a marca Harley Davidson quis lançar perfumes. Segundo o livro, Tinker, uma consumidora fanática pela marca, pediu em uma loja a única fragrância que a marca Harley Davidson teria extensão: “Teria que cheirar como óleo de motor, pois somente este cheiro tem a ver com a identidade da marca Harley Davidson”. Aos fãs da Harley Davidson, que possuem liberdade em sua essência, perfume não é uma categoria que combina com estes tão estabelecidos valores da marca.
Um leigo poderia dizer que é um exemplo de extensão de marca que não tem nada a ver seria a da Virgin Care. Mas observem que, neste caso, por uma ideologia própria, este segmento conta com algumas semelhanças com o propósito da marca Virgin Airlines. E veio muito antes. Se temos muito a criticar do Sr. Richard Branson sobre as extensões da marca Virgin para Cola, Vodka ou Jeans. Neste caso, acredito que foi não uma extensão, mas a essência da marca Virgin. Veja o vídeo com sua declaração:
Falta de Paixão
O terceiro ponto é que os donos dos negócios (e cada um de seus funcionários) tem de estar muito identificado e apaixonado pela marca. Como alguns de vocês sabem, começamos (Eu e o André Galiano) um negócio que era a BrandAnalytics praticamente do nada. Somos hoje sócios e parte da consultoria MB Vermeer para América do Sul, uma das líderes globais neste segmento. Em minha opinião, o mais importante para um negócio próprio ser bem-sucedido é que você (e sua equipe) sejam apaixonados pela marca.
Quando oriento meu filho para seu futuro profissional (Dudu tem 10 anos) – ao contrário que muitos podem pensar – NÃO quero que ele faça Poli-USP ou que trabalhe em consultoria branding. Isto funcionou para mim e pode não fazer sentido nenhum a ele. Não quero que ele seja um vagabundo, mas quero que ele faça exatamente aquilo pelo qual ele se apaixonar, pois terá mais chances de se dar bem.
O mesmo digo para quem vai abrir um negócio. Não conheço nenhum empreendedor de sucesso que não viva seu negócio como se fosse a coisa mais importante do mundo. Não conheço nenhum empreendedor de sucesso que se contenta em fazer uma coisa “mais ou menos” ou até mesmo não encare a perda de um contrato como a sua própria morte. Não conheço também nenhum empreendedor de sucesso que está preocupado com o balanceamento de sua vida pessoal com profissional, mesmo por que para ele esta fronteira não existe – ele faz o que sonha.
É obvio que sou fã de Steve Jobs. Às vezes, nos esquecemos deste princípio tão básico, e muitas vezes buscamos negócios baseados em espaços em brancos (“White Spaces”) de uma pesquisa de mercado. Estes, no entanto, podem estar totalmente fora de nossa identidade e do que somos apaixonados em fazer. Respeitar esta identidade é fundamental.
Para inspirar os leitores desse blog,, um pouco do pensamento de alguns guardiões da marca, extraído do BrandZ – ranking das marcas globais mais valiosas:
Apple – Steve Jobs: Criatividade Individual e Auto-expressão.
Starbucks – Howard Schultz : A conexão humana
Samsung – Kun-He Lee – Design e criatividade
LVMH – Bernard Arnault – Cre-authors.
Vocês percebem que este pensamento flui até hoje (mesmo no caso da Apple, em qie Steve Jobs faleceu) e consegue permear aparentemente todos dentro da empresa, desde o CEO de uma operação até os funcionários mais simples. E por isto perenizam.
Vejam o exemplo que dão as empresas de consultoria. Será que o Senhor Mckinsey está trabalhando para garantir que diariamente em todas as propostas e projetos seus colaboradores e sócios entreguem a proposta de valor da empresa? Certamente que não. Isto está muito forte como um propósito muito forte de cada colaborador da empresa. E isto gera uma percepção muito importante desta importante marca.
Neste artigo mostrei que, no contexto de ruptura de categorias, a identidade de nossas marcas devem ser sempre preservadas. Mais ainda: devem ser potencializadas, pois são a continuidade de vários negócios. Mas para isto acontecer, além de ter um propósito muito estabelecido entre os sócios ou donos da empresa, a empresa tem que ter todos os colaboradores com esta paixão que normalmente vem dos fundadores. E isto é talvez um dos grandes pilares de um programa de gestão de marcas.