23/11/2021 - 6:35
As relações diplomáticas oficiais entre a Rússia e as potências europeias estão congeladas, mas o hábil Kremlin encontrou maneiras de elevar a temperatura, aproveitando-se de uma série de crises regionais.
Contrariado em casa pela gravidade da pandemia, o presidente Vladimir Putin fez importantes manobras internacionais, garantindo algumas vitórias táticas e forçando seus interlocutores europeus a reconhecer sua influência.
“A política russa se baseia em oportunidades que se apresentam por si só”, disse à AFP um veterano diplomata europeu e especialista em Rússia.
“Mas, até agora, no que se refere a sua vizinhança próxima, especialmente as ex-repúblicas soviéticas, há uma vontade real de abordar a situação e, progressivamente, recuperar o controle”, acrescentou.
Quando seu aliado bielorrusso Alexander Lukashenko dirigiu uma onda de imigrantes do Oriente Médio para a fronteira polonesa, Putin evitou intervir e forçou os líderes europeus a se retomarem o contato com o governo de Minsk.
No momento em que a França se prepara para reduzir sua presença em suas antigas colônias africanas, a companhia de mercenários Wagner, ligada ao Kremlin, parece oferecer aos aliados de Paris uma fonte alternativa de apoio militar.
E, se a Rússia quiser pressionar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no que considera ser seu “quintal”, mobiliza seu dispositivo militar para a fronteira com a Ucrânia. Lá, o governo aliado de Bruxelas ainda luta contra rebeldes pró-russos.
Mesmo no espaço, um campo onde a Rússia se orgulha de sua cooperação com potências internacionais, esta semana Moscou lançou um míssil contra um satélite. Provocou indignação internacional sobre o perigo que gerou.
Os analistas do Kremlin não veem uma grande conspiração nessas manobras, mas acreditam que o líder russo usa as armas à sua disposição para ressaltar as fraquezas e as contradições da estratégia da Europa Ocidental.
Alexander Baunov, um experiente pesquisador do Carnegie Moscow Centre, disse à AFP que o isolamento da Rússia deixou Putin com poucas opções, exceto seguir a lógica da confrontação.
“O Kremlin se vê como um parceiro tóxico”, disse ele. “Não resta a ele outra opção a não ser assustar o Ocidente para forçá-lo a negociar”, acrescentou.
“Para isso, cria questões para negociar: a crise ucraniana, a crise dos refugiados na fronteira com a UE, o preço do gás”, completou.
– Interferência com táticas híbridas –
A chanceler alemã em final de mandato, Angela Merkel, teve de falar com o presidente Lukashenko para reconduzir a situação, e a Comissão Europeia iniciou “conversas técnicas” para repatriar migrantes com um governo que não reconhece.
Na segunda-feira (15), em uma reunião com ministros europeus das Relações Exteriores, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, duvidou que “Lukashenko possa fazer o que está fazendo sem um forte apoio da Rússia”.
Os ministros trabalham em um documento, a ser divulgado em breve, para guiar a política externa europeia de forma mais unida nos próximos anos.
O primeiro rascunho, visto pela AFP, antecipa a interferência russa nos assuntos comunitários que ameaça a estabilidade nos Bálcãs, na Europa Oriental, na Líbia, na Síria e no Mediterrâneo Oriental.
A deterioração das relações com a Rússia “é particularmente grave em muitos desses cenários”, afirma o texto discutido pelos ministros.
“Interfere, ativamente, em táticas híbridas, compromete a estabilidade de países e seus processos democráticos. Isso também tem implicações diretas para nossa própria segurança”, observa o rascunho.
Os contatos com Merkel e Bruxelas são uma pequena vitória diplomática para Minsk, embora não vão evitar novas sanções. Do ponto de vista russo, a crise confronta a União Europeia com suas contradições.
“Por que a Rússia vai impedir Lukashenko?”, questiona Fyodor Lukianov, editor da publicação “Russia in Global Affairs”.
“Lukashenko encontrou a forma de escapar da crise de suas relações com a Europa (…) Para a Rússia, seu aliado está lutando por sua sobrevivência”, acrescentou.
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